Há 50 anos o Golpe instaurava uma ditadura no Brasil. Passamos a viver um período de repressão e violência. Neste meio século, nosso país mudou muito, mas as marcas do autoritarismo, da exclusão e da discriminação ainda persistem. As violações de direitos intensamente vividas naquele período se atualizam de diferentes formas no nosso dia a dia.
O Conselho Regional de Psicologia, no uso da sua obrigação de prezar pelo exercício da Psicologia pautada pela ética e pelos direitos humanos, convoca a categoria a reflexões, debates e ações que nos permitam jamais esquecer o que vivemos no passado e, tampouco, negligenciar o estamos vivendo hoje.
Assim como outras profissões instituídas no país nos anos 60, a Psicologia carrega em sua história as marcas de um tempo em que, em nome de ideais de modernização, ordem e progresso do país, muitos profissionais se colocaram a serviço de uma certa normalização e adaptação dos indivíduos à sociedade, sem maiores críticas com relação aos efeitos das suas práticas.
A Lei 4.119/62, que instituiu a profissão, foi aprovada no final do governo democrático, momento em que estavam sendo arranjadas as conjecturas necessárias para que em 1964 um Golpe desse início ao período ditatorial. A Lei 5.766/71, que instituiu os Conselhos de Psicologia, só foi aprovada após nove anos de silêncio da categoria profissional, com texto que evidencia as marcas do autoritarismo e de forte vinculação ao Estado.
Diante disso, não podemos nos furtar a pensar sobre os saberes constituídos pela Psicologia em nosso país naquele momento histórico, sobre as práticas das(os) psicólogas(os) naquele cenário, sobre as contribuições da categoria profissional para os movimentos, tanto de apoio quanto de resistência ao regime de Governo. Mas, mais do que isso, não é possível – enquanto instituição que orienta a profissão zelando por seus princípios éticos e visando seu desenvolvimento – que deixemos de promover o debate acerca de como esses saberes e práticas reverberam no cotidiano das(os) psicólogas(os) ainda hoje e quais as consequências que daí advém. Que saberes a Psicologia vem produzindo? Como nossas práticas profissionais se inserem nos jogos de poder contemporâneos? Com que projeto de sociedade temos contribuído enquanto categoria?
O discurso dicotômico que coloca Política de um lado e Psicologia de outro, sustentando posturas profissionais descomprometidas com o contexto social a partir do qual se constituem, tem sido desestabilizado nas últimas décadas, especialmente após o início do processo de redemocratização do país. Entretanto, a falácia que pressupõe da política como um corpo estranho à ciência, ainda encontra-se fortemente presente nas teorias que seguimos reproduzindo, nos processos de formação profissional e nas nossas práticas psi, desenvolvidas tanto em espaços de atuação públicos quanto em espaços privados. Por isso, a necessidade de enfatizar que o trabalho da(o) psicóloga(o) não é neutro e nem apolítico. Precisamos, sempre, refletir sobre em que direção e a serviço do que e de quem estamos ofertando o nosso saber, o nosso exercício profissional.
Neste ano, quando os 50 anos do Golpe coloca em evidência o direito à reparação dos danos por ele causado, temos o dever de reconhecer e de lamentar o fato de que alguns profissionais dispuseram da ciência psicológica em benefício da manutenção de um regime de violência.
Diante disto, para além de cumprir com nossa função de escuta do sofrimento, devemos ser intransigentes na construção e na defesa de um Estado democrático.
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