No sábado, 25/05, o CRPRS por meio do Núcleo de Relações Raciais promoveu o evento “Descolonizar a psicologia: contribuições para o enfrentamento ao racismo” na sede do Conselho, em Porto Alegre. A atividade teve o objetivo de construir um espaço de discussão e orientação sobre as relações raciais contribuindo para o enfrentamento do racismo junto às/aos profissionais e à sociedade.
A abertura foi feita pela conselheira presidente, Silvana de Oliveira, que destacou a importância de se reconhecer que o racismo é uma violação de direito e mata e a Psicologia não pode minimizar essa discussão. “A Comissão de Direitos Humanos do CRPRS vem fazendo isso com muita seriedade. Precisamos desacomodar a Psicologia, repensar a construção de conceitos”.
A primeira mesa da manhã, mediada pela conselheira Priscila Detoni, presidente da Comissão de Direitos Humanos, debateu questões raciais e branquitude. A psicóloga Lia Vainer Schucman, professora da UFSC, pesquisadora sobre famílias inter-raciais e autora do livro “Entre o encardido, o branco e o branquissimo: Branquitude, Hierarquia e Poder”, falou sobre racismo e branquitude. Lia iniciou sua fala fazendo uma diferenciação entre racismo estrutural, institucional e interpessoal. “A raça no Brasil é um marcador de desigualdade, que gera o que chamamos de racismo estrutural. Quando consideramos a raça em qualquer fenômeno na vida cotidiana e há alguma diferença entre brancos e negros, isso é racismo estrutural”, afirmou. Para a pesquisadora, em uma sociedade não basta não ser racista, tem que ser antirracista. “Uma instituição que não faz o combate ao racismo institucional, repete um racismo estrutural”. Esse combate deve se dar buscando a democracia racial, ou seja, é preciso verificar o percentual de negros em uma instituição e em que lugares estão. A branquitude, relacionada à identidade racial branca, é um campo de estudo crítico que busca entender como o racismo e a ideia de raça constituem os sujeitos brancos. “Na sua branquitude, o homem branco encontra-se numa posição de normalidade e neutralidade em relação ao homem negro e recebe privilégios em todas as situações cotidianas. Cada branco deve entender que chegou em determinado lugar por ser branco”, declarou Lia. Sobre o papel da Psicologia, Lia acredita que é preciso estar na luta antirracista em todos os lugares. “Esse combate não é próprio de um contexto, é da essência da Psicologia”, conclui.
Na sequência, a psicóloga Maria de Jesus Moura, coordenadora do Núcleo de Estudo em Relações Raciais Dandara dos Palmares e membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CFP), apresentou a campanha #DiscursoDeÓdioNão, que está percorrendo o país com uma instalação de banners e camisetas com frases de ódio retiradas das redes sociais que denunciam diferentes formas de violência. A exposição esteve na sede do CRPRS na sexta-feira, 24/05, e no sábado, 25/05.
Jesus ressaltou a necessidade de buscar uma aproximação da Psicologia com as relações raciais. “Esse lugar de cuidado é muito importante. As pessoas precisam se sentir cuidadas nas suas demandas. Toda clínica deve acolher. Achar que o sofrimento do outro é vitimismo, principalmente na terapia, é algo preocupante. Clínica é lugar de falar da dor, não deve ter espaço para considerar isso um vitimismo”. Para Jesus, vivemos num país racista e que nega o tempo todo esse racismo, que nem sempre aparece de forma nomeada. A Psicologia precisa entender os processos que envolvem a autoestima da população negra. “Essa é uma demanda da profissão”.
Contribuições da Psicologia e a questão indígena
A segunda mesa da parte da manhã tratou sobre questão indígena e foi mediada pela psicóloga Renata da Silva, integrante do Núcleo de Relações Raciais. A psicóloga Priscila Góre Emílio, que atua como psicóloga indígena na Secretaria Especial de Saúde Indígena, trabalhando com os povos indígenas Kaingang e Guarani, falou sobre avanços e desafios da Psicologia na luta e resistência dos povos indígenas. “O racismo fere, machuca e mata. Nossa realidade mostra uma invasão do território, corpos violentados, genocídios principalmente por disputas de terra pelo agronegócio. Há um ódio muito grande sobre os indígenas. Precisamos mostrar que as vidas indígenas importam”. Priscila lembrou que o índio ainda é retratado, em nossa sociedade, como alguém submisso, há também um desrespeito à sua diversidade. Destacou o alto número de suicídios entre os índios, o que convoca a Psicologia a trabalhar cada vez mais com a saúde indígena, fortalecendo as políticas públicas voltadas a essa população.
Ana Luisa Teixeira Menezes, mestre em Psicologia social e professora na UNISC, ressaltou em sua fala a importância da aprendizagem intercultural com os Guarani. “Trabalhar com indígenas é repensar a lógica capitalista, rever a forma como pensamos e isso mexe com os sentimentos mais arraigados que temos”. Ana Luisa citou exemplos da necessidade de resignificação de conceitos quando se estabelece essa relação intercultural.
Questões raciais e negritude
À tarde, o evento teve sequencia com a participação do psicólogo Lucas Veiga, mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense, que falou sobre o conceito de psicologia preta e a necessidade de descolonizar a Psicologia. Para o pesquisador, o primeiro passo para se descolonizar é entender os efeitos da colonização nas subjetividades e como surgem o racismo, o machismo e a LGBTfobia como estratégia para deslegitimar o outro. “A colonização não se deu apenas em territórios geográficos, mas em aspectos existenciais também”, afirmou. Para Lucas, o principal motivo da lógica colonial ainda ser tão presente no Brasil é justamente essa colonização do pensamento, do inconsciente e que afeta o simbólico. Nesse contexto, a Psicologia Preta surge como uma intervenção que pode provocar o enegrecimento do simbólico.
Lucas defende a necessidade de se pensar a saúde negra como uma potência de vida a partir da filosofia africana. “A subjetividade negra pode ser saudável e potente se resgatarmos o senso de pertencimento, de aquilombamento”. Lucas acredita que, para além da Psicologia no Brasil ser branca, há uma dimensão da subjetividade negra que apenas outro negro consegue acolher: “O encontro entre pretos é cura”.
Outro aspecto destacado por Lucas é o fato de clínica e política serem inseparáveis na Psicologia Preta porque o sofrimento psíquico das pessoas negras é produzido e mantido social e historicamente por meio de dispositivos políticos. “A cura dos traumas do racismo e a luta pela igualdade racial caminham lado a lado na prática profissional do psicólogo”
Na mesa, ao lado de Lucas, as psicólogas integrantes do Núcleo de Relações Raciais, Glaucia Fontoura, Fernanda Francisca da Silva e Maine Alves Prates destacaram a potência do Núcleo, como um lugar de encontro, resistência e fortalecimento.
O vídeo do evento será disponibilizado, em breve, no Canal do YouTube do CRPRS.