O CRPRS, por meio do GT da Psicologia do Trabalho da Subsede Serra, em parceria com Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST/Serra) e Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região, promoveu na quarta-feira, 11/11, o II Seminário “Meu Trabalho Está Me Enlouquecendo”. O evento foi realizado no Teatro da UCS em Caxias do Sul e contou com a participação de mais de 300 pessoas.
Participando da mesa de abertura, a conselheira do CRPRS Tatiane Baggio destacou a importância de se discutir a saúde mental do trabalhador para que avanços nessa área possam ser pensados. Tatiane apresentou exemplos que mostram como o trabalho está, historicamente, associado ao sofrimento e à produção de violência. Os campos de concentração, por exemplo, recebiam as pessoas com o contraditório lema “o trabalho liberta”. “Infelizmente ainda vivemos um sistema de exploração que, muitas vezes, engana e ilude o trabalhador. Muitos mudam de cidade ou de país atraídos por uma oferta de trabalho, em busca de melhores condições de vida e acabam sendo explorados”. A luta pela igualdade de direitos das mulheres também foi citada por Tatiane. “As mulheres ainda têm tratamento diferenciado em seus locais de trabalho, recebem salários mais baixos do que os homens. Mudam os cenários, passam-se os anos, mas algumas pautas permanecem”, concluiu. Diante disso, o Conselho Regional de Psicologia, acredita que novas relações de trabalho podem ser construídas com a cooperação de todos os setores. “A saúde mental precisa ser vista para além das questões individuais. Precisamos pensar em políticas públicas em ações do controle social que valorizem e promovam a saúde do trabalhador”.
A secretária da Saúde de Caxias do Sul, Dilma Tessari, no ato representando o prefeito Alceu Barbosa Velho, ressaltou o estresse do atual momento, marcado por uma crise de múltiplos aspectos (éticos, políticos, econômicos). “Que bom que podemos desfrutar de momentos como esse para debater esses problemas oriundos do trabalho e, com isso, encontrar melhores caminhos. Que a sociedade e os gestores se debrucem em busca de soluções”, declarou.
Para a coordenadora do CEREST/Serra, Nicieli Sguissardi, é importante se discutir esse tema que, muitas vezes, é negligenciado. Já o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região, Assis Melo, falou como o Sindicato vem, ao longo tempo, procurado entender as causas do adoecimento das pessoas e enfrentar o debate da saúde do trabalhador. “Atualmente, a modernidade nos obriga a fazer mais em menos tempo, e com isso, não cuidamos de coisas importantes como nossa saúde”. Ele lembrou da importância de projetos de lei para inserção de psicólogos/as e assistentes sociais nas escolas, contribuindo para a formação do futuro trabalhador.
Durante o dia, os/as palestrantes debaterem sobre possibilidades de se pensar a saúde do trabalhador, estabelecendo um equilíbrio entre os diversos interesses para a manutenção da economia produtiva e dos avanços da tecnologia sem perder o foco na saúde e qualidade de vida.
Da Enxada ao Pixel
O palestrante João Ignacio Pires Lucas, doutor em ciência política, falou do processo que torna as pessoas uma extensão da tecnologia. Segundo ele, a saúde do trabalhador se constrói com base em três grandes conjuntos de interesses: a revolução científica e tecnológica, a globalização na oferta de mão de obra mais barata e a precarização e flexibilização.
A revolução científica e tecnológica faz com que o domínio artesanal seja substituído pelo controle das máquinas. “A enxada, assim como outras ferramentas de trabalho, eram as próteses e órteses dos trabalhadores. Hoje, os trabalhadores são próteses e órteses das máquinas, o que representa uma robotização do mundo do trabalho. O ser humano é cada vez mais um apêndice das máquinas e precisa seguir a velocidade delas”. Para ele, o grande desafio aos trabalhadores é a adequação a algo que não é humano. A globalização na oferta de mão de obra permite com que o empregador mude o local de sua produção para uma região mais vantajosa economicamente.
O trabalho enlouquece?
A psicóloga Maria da Graça Jacques, mestre em Psicologia, doutora em educação, discutiu sobre a representação social do trabalho. “De um lado o trabalho é relacionado ao sofrimento; de outro, a sociedade também vê o trabalho como um promotor de saúde”. O trabalho é o eixo central da identidade psicológica, um dos principais mediadores de integração social fundamental no âmbito afetivo e relacional. Graça apresentou exemplos de sofrimento mental desencadeados no trabalho. Apesar de registros históricos mostrarem o sofrimento relacionado ao trabalho desde o século XVIII, percebemos uma maior ocorrência de problemas desse tipo nos tempos atuais.
Graça apresentou como as doenças relacionadas ao trabalho se distribuem entre os grupos I, II e III, segundo a classificação de Schilling, adotada no Brasil. No primeiro grupo, em que o trabalho aparece como causa necessária, estariam as doenças legalmente reconhecidas. No grupo II, o trabalho aparece como fator contributivo, mas não necessário e, no grupo III, o trabalho é considerado um provocador de um distúrbio latente ou agravador de doença já estabelecida. “Para os grupos II e III impõe-se a necessidade de estabelecimento de nexos causais, ou seja, a concasualidade, o que, em muitos casos, é muito difícil”, afirmou.
A Síndrome de Burnout, caracterizada pelo esgotamento total, é comumente identificada em professores e profissionais da saúde. “Estudos epidemiológicos são importantes nesse sentido por demonstrar maior frequência em determinado grupo e fornecer elementos de relevância para justificar o nexo causal”. Além disso, é importante a realização da anamnese ocupacional para avaliação das condições do trabalho, considerando não somente o histórico de trabalho, mas também de vida.
Transtornos mentais relacionados ao trabalho notificados no RS
Em sua apresentação, a médica do trabalho Luciana Nussbaumer mostrou que o trabalho tem papel central na saúde física e mental e é, portanto, um condicionante de saúde.
Para ela, uma grande dificuldade atual é avaliar cargas emocionais que estão presentes nas relações de trabalho. “Os altos índices de desemprego, por exemplo, fazem com que o trabalhador suporte cargas mais pesadas, não se afastando do trabalho mesmo quando está doente por medo de perder seu trabalho. Isso não temos como detectar ou medir”.
Luciana destacou que não se pode falar em fatores universais de risco, já que cada pessoa vai adoecer e viver de uma forma. Ela apresentou dados cadastrados no Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador (SIST), transtornos mentais e comportamentais com CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) e sem CAT, de acordo com dados Dataprev. “Os casos não notificados são os que mais preocupam”, ressaltou.
Para a palestrante, é preciso que as entidades, os profissionais de saúde e os gestores estejam atentos aos problemas de saúde mental do trabalhador e tratá-los sem preconceito.
Sofrimento no Trabalho - Alternativas na Construção de Saúde
A psicóloga Cláudia Magnus chamou atenção do público para a complexidade dos problemas e doenças que decorrem dos processos de trabalho e como, em muitos casos, o que são tratados são os sintomas e não aquilo que realmente está por trás. “Burnout e depressão, por exemplo, são sintomas e representam apenas a ponta do iceberg. Precisamos pensar o que esses sintomas estão falando? O que estamos fazendo com relação àquilo que não aparece? O que está por trás é a organização das relações de trabalho?”, questionou Cláudia em sua fala.
Cláudia reforçou a necessidade de se recuperar o sentido do trabalho para quem executa. “Isto é possível permitindo certa autonomia, estimulando e dando espaço para que a pessoa desenvolva seu potencial criativo. Além disso, é preciso promover a valorização do coletivo e de sua inteligência prática, discutir em conjunto como o trabalho está organizado.
Outro aspecto abordado por Cláudia, refere-se à importância do estabelecimento de redes de relacionamento para a saúde psíquica. “Precisamos de alguém que nos dê suporte, que possa estar conosco e nos apoiar. Só encontramos isso quando estabelecemos redes”.
Somos Todos Trabalhadores
O empresário Orlando Marin participou do Seminário falando sobre a importância de todos se energarem como trabalhadores, tanto donos de empresas como funcionários. Também abordou aspectos econômicos e politicos do setor público e privado.
Fotos: Fábio Grison
- > Em breve será divulgado vídeo do II Seminário "Meu Trabalho Está Me Enlouquecendo" com apresentações na íntegra.