Na quinta-feira, 18/06, o Polo dos Vales do CRPRS promoveu o debate online “Violência doméstica: o que eu, você e nós temos a ver com isso?”. A atividade foi mediada pela coordenadora do Polo, Ana Paulo Coutinho, que ressaltou a importância de se dar visibilidade ao tema ainda mais com o distanciamento social diante da pandemia da Covid-19.
Janaína Zimmer, psicóloga, especialista em Terapia Sistêmica familiar, conjugal e individual, falou sobre sua vivência como psicóloga no CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social, em Teutônia, e na clínica particular. Sendo um serviço de referência para o atendimento de casos de violência doméstica, o CREAS de Teutônia trabalha em articulação com a rede. Janaína fez uma avaliação do cenário antes e após a pandemia: “Percebemos uma diminuição na procura dos serviços e nos encaminhamentos, o que não vemos com algo positivo”. Em sua avaliação, a vítima está mais em contato com o agressor e se sente, portanto, mais coibida a procurar ajuda. Além disso, para a psicóloga é preciso avaliar a violência doméstica como algo sistêmico: “Precisamos olhar o todo, para as relações, como a família se configura, e os implicadores sociais e culturais presentes. Ainda vivemos em uma sociedade muito machista e patriarcal”, afirmou. Esses implicadores sociais acabam fazendo com que mulher não tenha entendimento de que a situação que vivencia é uma situação de violência, pois há muitas formas de violências naturalizadas dentro do contexto social. A dificuldade de muitas mulheres em fazer a denúncia está relacionada ao fato de que muitas não querem acabar com o relacionamento e, sim, com a violência, além do fato de serem dependentes financeiramente do companheiro.
Na sequência do evento, Elisabete Cristina Barreto Müller, formada em Ciências Jurídicas e Sociais (UNISC), especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes (USP), mestre em Ciências Criminais (PUCRS) e professora do Curso de Direito da Univates relatou sua experiência como delegada de polícia aposentada, destacando como era atuar com esse tema antes da Lei Maria da Penha. “Atuei numa época em que se entendia uma relação desigual entre homem e mulher e de poder do masculino sobre o feminino. Quando comecei minha carreira de delegada de polícia, tínhamos uma legislação machista, com olhar preconceituoso para mulher, assim como era a sociedade na época. Com o passar do tempo, fui vendo que precisávamos ter um olhar diferente no acolhimento dessas mulheres, com respeito e empatia”. Elisabete lembra que, na época, a violência contra a mulher era vista como um ato de menor potencial ofensivo e não havia possibilidade de medida protetiva ou prisão em flagrante ou preventiva, por exemplo. “Era uma lei preconceituosa, machista, que encarava a mulher como ser inferior. Quem mandava e dominava era o homem”. A Lei Maria da Penha veio como um marco histórico e jurídico ao definir o que é violência doméstica e familiar e proporcionar estratégias jurídicas que podem ser utilizadas para a proteção da mulher. Para Elisabete, ainda é preciso trabalhar em rede, de forma intersetorial e multidisciplinar. E, neste momento de pandemia, a rede precisa buscar tecnologias para oferecer apoio às mulheres que estão sofrendo violência e não conseguem sair do confinamento para buscar ajuda.
A psicóloga Débora Simone Simionato Fin, pós-graduada em Saúde Mental Coletiva (UCS), que atua no Centro de Referência da Mulher que Vivencia Violência – REVIVI e como psicóloga no CRAS – Centro de Referência de Assistência Social – Proteção Social Básica de Bento Gonçalves trouxe sua experiência na prática no combate à violência doméstica. “Como profissionais da Psicologia, não podemos mais ser coniventes com violência de gênero. Temos que trabalhar para mudar a cultura machista e patriarcal muito presente em nosso cotidiano”, frisou. Ela explicou como estão organizados os serviços de atendimento psicossocial para mulheres vítimas de violência doméstica e da importância do acompanhamento psicológico nesses casos. “Criamos um espaço em que a mulher tem voz sem espaço para julgamento e, com isso, as mulheres saem de lá fortalecidas”.
Complementando as falas do evento, a psicóloga Cristina Schwarz, especialista em Psicanálise e mestra em Psicologia Social e Institucional (UFRGS), conselheira do CRPRS, presidenta da Comissão de Direitos Humanos do CRPRS, contextualizou como a violência contra mulher está presente em nossa sociedade e todos os atravessamentos relacionados a isso. “Ser mulher é estar sob risco de diferentes formas”. Ela destacou os recortes que o racismo e capitalismo constroem nesse cenário e que potencializam todas as explorações. Para ela, é preciso estar atenta/o quanto a isso para não proteger determinados grupos privilegiados. Como categoria, as/os psicólogas/os devem se apoiar nas ferramentas que possuem para o enfrentamento dessa realidade, compreendendo essa violência como um fenômeno multifatorial. A importância de qualificar serviços existentes e ampliá-los numa estratégia de fortalecimento da rede também foi citado por Cristina como uma forma de enfrentamento, sendo fundamental a categoria estar atenta/o a tentativas de desconstrução desses serviços voltados à proteção das mulheres.
Confira, em breve, vídeo com a íntegra do evento.