Com o objetivo de discutir sobre a atuação da Psicologia com populações em situação de migração, o CRPRS, por meio do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), promoveu o evento “Psicologia e Políticas Públicas entre caminhos cruzados: saúde no contexto de migrações” na sexta-feira, 18/08, no auditório da FABICO/UFRGS, em Porto Alegre. A atividade foi organizada em parceria com Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR Brasil) e Associação Beneficente São Carlos – Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações (CIBAI).
A iniciativa buscou compreender como as entidades que trabalham com populações migrantes incorporam o atual estado desse campo social e construir formas de a Psicologia aprimorar seu fazer e se inserir cada vez mais nas equipes dessas instituições e contexto social. Como encaminhamento, a presidenta do CRPRS, Míriam Cristiane Alves (CRP 07/24471), anunciou a criação de um Grupo de Trabalho no CRPRS que discuta a pauta e que oriente a categoria a acolher a população migrante. “Quem são os migrantes? Se não somos povos originários, somos todos migrantes. Desconstruir estigmas, preconceitos relacionados às migrações contemporâneas é compromisso do CRPRS, assim como enfrentar todo tipo de agressão e violência, debatendo de que forma as migrações contemporâneas acessam as políticas públicas em que a Psicologia está inserida, como SUS, SUAS, Educação”.
Na mesa de abertura, o assessor técnico em Políticas Públicas CREPOP/CRPRS Gabriel Godoi destacou a importância do tema para o Brasil, país que tem recebido tantas pessoas em situação de migração, apátridas ou refúgio. “Que possamos construir cada vez mais pontes para se aprofundar dessas discussões e pensar na saúde integral dessa população”, afirmou.
Logo após foi exibido um vídeo da conselheira do Conselho Federal de Psicologia, responsável pelo CREPOP Neuza Guareschi (CRP 07/01309) contextualizando de que forma o Sistema Conselhos de Psicologia vem trabalhando com o tema das migrações. O Conselho Federal de Psicologia deverá realizar, em novembro, um evento nacional sobre o tema.
Leonardo Marmontel Braga, da Associação Beneficente São Carlos – Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução às migrações (CIBAI), reforçou a necessidade de também pensarmos as migrações sob outra perspectiva. “Além de eventos traumáticos, precisamos reconhecer os benefícios que as migrações trazem para a sociedade, contribuindo com a economia e desenvolvimento”. Para Elias Gertrudes, migrante da Paraíba que integra o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR Brasil), para essa mudança é preciso conhecer mais sobre o tema. “Que esse evento abra possibilidades para pensar em políticas públicas que contribuam efetivamente para as nossas vidas, oferecendo um maior acolhimento”.
Cláudio Souza, representante da Secretaria Estadual da Saúde que atua na Atenção Primária e integra o Comitê de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas de Tráfico de Pessoas do Estado do Rio Grande do Sul (COMIRAT/RS), destacou a importância desse “cruzar caminhos” e questionou de que forma as subjetividades são captadas nas ações e normativas de saúde e de assistência social voltadas à população migrante.
O trabalho do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública Estadual foi apresentado pela defensora Aline Palermo Guimarães. “O acesso à saúde é uma forma de integração e precisa ser garantido a esses grupos”.
Afinal, o que é saúde mental?
A mesa “Afinal, o que é saúde mental? Perspectivas migrantes”, mediada pelo conselheiro Luís Henrique da Silva Souza (CRP 07/31246), reuniu mediadoras/es interculturais da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. “Mais do que aprender sobre o tema, precisamos ocupar uma postura ética de escuta de cada trajetória para que, a partir disso, possamos construir ferramentas de atuação como psicólogas/os”, comentou Luis.
Nessa perspectiva, a psicóloga Maíne Alves Prates (CRP 07/17003) falou sobre saúde mental. “Para que pessoas a Psicologia nos ensina a trabalhar, atender, cuidar? O que a Psicologia sabe escutar?”, questionou citando situações de vivências e experiências deslegitimadas na escuta.
As/os mediadoras/es Youdeline Obas e Jean Junior Thevenin, do Haiti, Absa Wade, do Senegal, e Gabriel Lizarraga Arias, da Venezuela, trouxeram relatos emocionantes sobre suas trajetórias no Brasil, compartilhando desafios e dificuldades diante das barreiras culturais e linguísticas e como o quesito raça impacta nesse acolhimento. Para as/os mediadoras/es, a forma como o migrante chega ao país e o motivo de sua migração irão determinar suas vivências e afetar a saúde mental de maneira muito diversa. “Precisamos de um olhar diferente para os migrantes. Há os migrantes que estão mais vulneráveis, como os africanos, caribenhos e haitianos. E o trabalho dos mediadores culturais é importante justamente por entender essas diferenças”, afirmou Jean Junior Thevenin.
Possibilidades psicossociais
Na terceira parte do evento, a mesa “Contexto e possibilidades psicossociais” foi mediada pela conselheira Jéssica Prudente que ressaltou a importância de se construir coletivamente políticas públicas que acolham e definam, junto com o outro, como o cuidado vai ser.
Rosa Maria Magrinelli (CRP 07/10415) e Victtoria Soares Rodrigues (CRP 07/36226) falaram sobre o trabalho que realizam, como psicólogas, na Associação Beneficente São Carlos – Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações (CIBAI). “Defino minha atuação como ‘fazer pontes’, entre os próprios migrantes, entre os migrantes e a rede de saúde, assistência social e educação, buscando transformar realidades”, descreveu Rosa. “No acolhimento, a escuta é muito importante. Temos que ouvir as histórias de sua migração, as dificuldades pós-migratórias para buscar possibilidades de acolhimento”, complementou Victória.
Daphne Louise Oliveira Pacheco e Maria Luisa Dal Molim (CRP 07/38657) do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR) apresentaram a estrutura do serviço e o apoio psicossocial que oferecem aos migrantes.
Para encerrar o evento, Betina Hillesheim (CRP 07/04839), da UNISC, e Rodrigo Lages e Silva (CRP 07/12525), da UFRGS, falaram sobre como o tema das migrações aparece em pesquisas acadêmicas. “Não grupalizar o outro pelo olhar da política pública ou da pesquisa ou da extensão, não atribuir necessidades além das referidas pelos próprios participantes e entender que se trata sempre de uma experiência contraetnográfica são aspectos que sempre precisam ser observados”, afirmou Rodrigo destacando que cada migrante é único e tem um processo muito singular. Além disso, ressaltou que há um sofrimento que não é patológico, é um sofrimento social. “Nessa perspectiva, o conceito do bem-viver surge como horizonte, é mais do que não estar doente, estamos falando de um bem-estar ligado ao território”.
Betina Hillesheim destacou que é preciso considerar a magnitude deste fenômeno e não generalizar o processo ou entendê-lo como uma crise, algo temporário. “As migrações são permanentes e precisamos nos ocupar dos efeitos desse processo de longa duração. Esse não é um problema operacional (quem vai acolher os migrantes) é uma questão ética, precisamos refletir como vamos trabalhar com essa realidade, de que forma a Psicologia vai se posicionar diante dessa pauta que é coletiva.”
Assista ao vídeo com a atividade na íntegra: