Na noite de segunda-feira, 30/05, a Comissão de Descentralização do CRPRS promoveu Encontro de Polos com o tema “Tecendo a luta antimanicomial no interior do RS”. Na atividade foram apresentadas experiências que mostram a diversidade da rede e do movimento antimanicomial no estado.
“Com a pandemia, nós do CRPRS tivemos que reinventar as formas de interagir com o restante do estado. Nessa descentralização, o trabalho dos polos foi fundamental e percebemos a necessidade de unificar pautas comuns e estar juntos para conversar e trocar experiências”, afirmou a conselheira Eliana Sardi Bortolon, presidenta da Comissão de Descentralização.
O primeiro convidado a falar foi Luis Carlos Bolzan (CRP 07/08530), que é mestre em Gestão Pública com Ênfase em Saúde e foi diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS e do Departamento de Ouvidoria Geral do SUS. Bolzan apresentou um panorama das diferentes gestões na implementação da Lei da Reforma Psiquiátrica, destacando a falta de financiamento e apoio técnico em diversos momentos dessa história. “Percebemos uma prática de desfinanciamento dos aparelhos substitutivos aos manicômios, o que gera dificuldades de avançar na Rede. Manicômios são instituições que reproduzem um modo de produção que leva ao processo de alienação e estranhamento. Não é por acaso que hoje vivemos um ataque à RAPS e à Reforma Psiquiátrica”.
Angela Kunzler Moreira (CRP 07/04301), servidora pública de Secretaria de Saúde de Osório desde 1992 e uma das fundadoras do CAPS Casa Aberta de Osório, fez um resgate da história da luta antimanicomial em paralelo à sua trajetória profissional. “O meu percurso na saúde mental coletiva teve início com a participação na primeira Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1987. No início dos anos 90 fundamos a Casa Aberta, em Osório, realizando ações voltadas à saúde mental coletiva. Depois, com a Lei da Reforma Psiquiátrica, o Casa Aberta se transforma em CAPS”, lembrou. Angela que também citou Portarias e Notas Técnicas publicadas nos últimos anos que contribuíram para o desmonte dessa política, enfraquecendo os serviços substitutivos e a rede da base territorial. “São dispositivos questionáveis e antidemocráticos em sua própria constituição, que fomentam a implementação de dispositivos de lógica manicomial e restritivos de autonomia e liberdade. Fomentam as Comunidades Terapêuticas e desconhecem a Redução de Danos”, avaliou.
Na sequência, Ariane Schmitt (CRP 07/02974), psicóloga clínica e perita do trânsito, que atuou na Saúde e Educação no município de Três Passos, narrou sua trajetória na saúde mental na luta antimanicomial desde 1989. A falta de apoio no trabalho da saúde mental na cidade, as estratégias para garantir direitos e cuidados e o trabalho de saúde preventiva com usuárias/os e familiares foram destacados pela convidada.
Avanços e percalços em defesa da luta antimanicomial também foram narrados por Fanny Helena Martins Salles (CRP 07/1021), que foi coordenadora do CAPS II em Bagé e atualmente é tutora de usuário residente na Moradia Protegida. “Não dá para ser psicólogo sem defender a luta antimanicomial. É uma forma de ver a vida que não tem como deixar para trás”, ressaltou a convidada trazendo o exemplo de uma experiência exitosa em Bagé com uma residência autogerida por usuárias/os.
O evento seguiu com a apresentação de experiências atuais na luta pela desinstitucionalização e na defesa do cuidado em liberdade. João Alberto Sampaio Juchem Filho (CRP 07/30537), atual coordenador do CAPS I da Secretaria Municipal de Saúde de Cruz Alta, descreveu algumas ações desenvolvidas até hoje pela ampliação do acesso, reabilitação, prevenção e redução de danos, qualificação da rede e ações intersetoriais para reinserção social. “Ainda há uma dificuldade de as pessoas entenderem a saúde mental como algo global, coletivo e que pode ser trabalhado de uma forma mais humana”.
Corroborando essa ideia, Tatiana Lima Both (CRP 07/10418), que é psicóloga na Prefeitura de Passo Fundo, falou da luta diária para evitar a institucionalização de muitos pacientes. “Recebemos pedidos de internação, de institucionalização de pessoas que não têm problemas mentais, mas precisam de um cuidado qualificado. Temos que refletir: será que esse é o caminho? E o rompimento de laços familiares?”. Para ela, é importante proteger e promover a Rede, para ofertar serviços de qualidade, em liberdade e com as famílias.
Elise Julia Sehn (CRP 07/26571), do Núcleo de Apoio a Atenção Básica da Prefeitura de Sinimbu, falou dos desafios de trabalhar com saúde mental coletiva na Atenção Básica. “A pandemia nos mostrou a importância dos trabalho em grupo. Mesmo diante de um cenário de desmonte e desarticulação, os movimentos permanecem, principalmente na atenção básica, lutamos para manter as práticas de atividades coletivas”. Como resultado desse trabalho, em 2022 foi realizada a primeira Conferência Municipal de Saúde Mental na cidade.
Encerrando os depoimentos, Sandra Maria Sales Fagundes (CRP 07/01644), professora convidada da Residência em Saúde Mental Coletiva da UFRGS e do mestrado em Saúde Mental da Universidade de Córdoba, e consultora de políticas públicas e supervisora clínico institucional, destacou a importância de espaços como esse para tecer coletivos descentralizados e descentrados. “Precisamos nos descentrar para os outros, estar atentas/os às necessidades dos outros numa sociedade que convoca para individualismo”. Nessa luta, Sandra acredita na importância de se registrar a história e não deixar o medo paralisar, seguir nessa luta que é coletiva e deve estar presente no cotidiano. “A luta em relação ao cuidado em liberdade é continua, ainda mais hoje nesta situação de necropolítica e neste governo neofascista que estimula a morte, a eliminação e o extermínio. A morte de Genivaldo nos mostra que antes se morria em cárcere privado, dentro dos manicômios, agora se morre dentro de um camburão”.
Para Eliana Bortolon, essa troca de experiência é necessária para se pensar no momento atual, projetar o futuro e o que queremos daqui para frente.
Assista ao vídeo com a gravação na íntegra do evento: