No sábado, 18/08, pela manhã, o Encontro Gaúcho da Psicologia contou com a participação do psicólogo e psicanalista Luis Cláudio Figueiredo na conferência “Subjetividade, contemporaneidade e psicoterapia". Figueiredo é mestre em Psicologia Experimental (USP), doutor em Psicologia Experimental (USP), professor da PUCSP e professor aposentado da USP. A conferência foi mediada pela conselheira Luciara Gervasio Itaqui.
Figueiredo falou sobre desafios para a psicanálise diante de um mundo em transformação. Para construir sua análise, além de se valer da escuta de seus pacientes, considerou também a cena cultural atual.
De acordo com o psicanalista, o contato com a subjetividade pressupõe a compreensão de dois planos: o intersubjetivo e o intrapsíquico. “Entendo que as subjetividades e os processos de subjetivação precisam ser compreendidos em dois planos: no intersubjetivo, ou seja, nas relações que as pessoas estabelecem entre si e com o mundo; e no intrapsíquico, de indivíduos e até de grupos”. Para entender nossa constituição subjetiva não podemos deixar de lado elementos da natureza e variáveis culturais, regras explícitas ou implícitas. Considerando isso, Figueiredo trabalha com o conceito de objetos transformacionais, de Christopher Bollas. E, segundo esse conceito, cultura é uma rede de objetos transformacionais, ou seja, objetos que não são para ser consumidos ou destruídos, são para ser habitados, depositamos parte de nossa vida subjetiva porque têm a capacidade de transformar. “Quando assisto a um filme, por exemplo, posso encontrar uma série de elementos que podem me transformar. Oferecem suporte, me ajudam a sentir vivo no mundo, me encontrando, me reconhecendo, deixando me mobilizar, evoluir, fazer com que psiquismo”.
Para ampliar o alcance do trabalho psicoterápico, a escuta psicanalítica deve ser levada a um campo de atividades e interações, a psicoterapia deve recorrer à cultura como objetos de mediação, já que é nesse campo que se formam as subjetividades. “O trabalho terapêutico pode se valer com grande eficácia de mediadores terapêuticos que são objetos transformacionais que a cultura nos oferece e que muitas vezes não são usados”.
Para Figueiredo, a formação da subjetividade ocorre em campo complexo formado por três grandes eixos: o disciplinar, que aposta em controle, autocontrole e administração; o romântico, que considera impulsos e desejos; e o liberal, que aposta na autonomia, no livre arbítrio e no discernimento. “O que vemos ao longo do século XIX é o conflito profundo entre esses três eixos com os objetos transformacionais. Encontramos uma dominância do eixo disciplinar e, por isso, vemos operando, com o máximo de força, um mecanismo de defesa que tenta reduzir conflitos que chamamos de recalque ou opressão”.
Atualmente, pacientes ainda podem ser concebidos e tratados dentro da psicanálise clássica. Porém, para Figueiredo, muito frequentemente essa ortodoxia não é mais eficaz, pois não considera que processos de subjetivação continuam se transformando. “Parece que, hoje em dia, o balanço desses três eixos mudou. Questões do controle são menos evidentes, têm menos peso, do que a questão da realização do individuo com sua pretensa e absoluta independência e autonomia. Ao longo do século XX, percebemos o predomínio do eixo liberal em boa parte da população. O problema não se trata mais em obedecer, ter controle e disciplina, mas realizar um desempenho perfeito, maravilhoso, indiscutível, que consiga corresponder plenamente ao supereu tomado completamente ou quase do conceito de eu ideal. Vivemos em uma sociedade em que boa parte das pessoas sofre por não conseguir corresponder, mas ter que corresponder, a uma idealização de si mesma”.
Segundo análise de Figueiredo, os conflitos pulsionais que se manifestam nas relações do objeto vão se tornando secundários em relação a uma problemática narcisista, tomada pelo projeto que é de cada um.
Diante dessa realidade, cada um acaba sendo obrigado a travar uma luta contínua e incessante para desempenhar-se da melhor maneira e exibir esse desempenho da forma mais disseminada possível, para isso usam as redes sociais. “Como decorrência inevitável dessa luta, temos o cansaço e o esgotamento e vejo a força de um fundo depressivo que, muitas vezes, é mascarado”. As defesas, que podem ser maníacas e perversas, que estão em evidência na sociedade contemporânea, que vive e sofre. Com isso, temos o uso de antidepressivos em larga escala.
A luta incessante pelo desempenho perfeito – coincidência total com a imagem idealizada de si – é mortífera. Por outro lado, o que se vê é uma grande excitação. “Tenho a impressão que vivemos em uma sociedade em que há um burnout vital, quando as defesas se tornam ineficientes, colapsam e, então, o fundo depressivo aflora, o sujeito desiste por não corresponder a aquilo que ele espera dele mesmo”. Diante desse contexto, proliferam diagnósticos como bipolaridade, hiperatividade e déficit de atenção.
“O lugar da psicanálise dita clássica continua vigente, mas ficaria impossibilitado de exercer a minha profissão se não abrisse espaço para aquilo que se chama de análise modificada. Psicanalista precisa entrar em contato com estado subjetivo, principalmente diante de sofrimentos narcisistas e esquizoides, marcados pelo fundo depressivo e pelas defesas maníacas e perversas”, concluiu Figueiredo.
No evento, Figueiredo lançou o livro “Psicanálise: caminhos no mundo em transformação". A obra faz uma exploração do campo dos adoecimentos narcisistas e das perspectivas clínicas da psicanálise contemporânea, com suas dificuldades e impasses e trilhas de pensamento e prática psicanalítica nas condições atuais de vida. Enraizado na vertente freudo-kleiniana, mas indo além, e incluindo outros territórios (Winnicott e Kohut, por exemplo).
A conferência de Luís Cláudio Figueiredo pode ser assistida acessando o Canal do YouTube do CRPRS.
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