A Jornada de Estudos e Pesquisas para o Enfrentamento à Violência Racial, de Gênero e de Sexualidade, promovida em conjunto pelo CRPRS, Faculdade de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) e pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas E’LÉÉKO, prosseguiu nesta quarta-feira (18) no auditório da Faculdade de Medicina da Ufpel, em Pelotas.
A primeira intervenção da manhã foi do professor Jean-Bosco Kakozi, da Universidade Federal de Integração Latino-Americana (Unila), sobre o tema “A dimensão ético-política do ubuntu no enfrentamento ao racismo”. O ubuntu, classificado por Kakozi como a “cosmovisão africana”, se notabilizou na África do Sul no contexto do pós-apartheid – na medida em que o regime racista do país gerou muita violência e miséria contra a população negra.
Kakozi, que é natural do Congo, explicou que o ubuntu é um fenômeno sociocultural antigo, mas devido à democratização da África do Sul, a partir de 1993, começou a ser incorporado à política – foi oficializado como diretriz de não-violência na Constituição transitória de 1993 e “desapareceu” da Constituição de 1996. A expressão vem do grupo linguístico “banto”.
“Representa a humanidade como conjunto e como valor: solidariedade, responsabilidade, empatia, compaixão. Nesse sentido, tem a mais a ver com humanismo do que com humanidade. Se fortaleceu como uma forma de pensar a questão racial depois do apartheid, mas não é um conceito apenas dos negros: é a base do edifício ético-filosófico africano”, conceituou Kakozi.
Também explicou o contexto de surgimento das raças, como a origem filológica do termo e a negação científica do conceito, até a derivação para o racismo – a divisão fenotípica e a consequente hierarquia entre os seres humanos. “A diferença entre nós não deveria remeter a qualidade, mas qualquer racista tem de ter algum desses argumentos: raças superiores e inferiores e a miscigenação como uma depreciação das etnias consideradas superiores”, explicou.
O ubuntu, portanto, requer em relação ao racismo conceitos como “reconciliação” e “reparação moral”, na medida em que considera os humanos integrados em um sistema cósmico. Nesse sentido, ações afirmativas, como a política de cotas estabelecida no Brasil, pode ser enquadrado como uma prática ubuntu. Na Colômbia, há um conjunto de políticas chamado de afrorreparações.
“Mas, em muitos casos, essas reparações não alcançam o plano econômico. Na África do Sul, por exemplo, a maioria das terras expropriadas da população branca no pós-apartheid não registraram boa produtividade, já que o capital continuou na mão dos colonizadores”, afirmou Kakozi.
O professor também salientou que muitas vezes as políticas afirmativas não são capazes de recuperar os danos psicológicos e humanos das vítimas do racismo. “Será que esse dano tem um preço, é possível atribuir-lhe um valor monetário?”, problematizou.