Muitas das razões do genocídio da população jovem e negra estão nas estruturas da desigualdade do nosso país. A constatação é de Daniel da Silva Bento Teixeira, advogado especializado em Direitos Difusos e Coletivos e coordenador de projetos do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), um dos participantes do bate-papo online promovido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), nesta quarta-feira, 12/08. O debate foi mediado pelo mestre em Psicologia Social e integrante da Comissão de Direitos Humanos do CFP, Valter da Mata, e contou ainda com a participação de Débora Maria da Silva, promotora popular e coordenadora do movimento de Mães de Maio, que reúne mães e parentes de vítimas da violência policial.
A base para o debate foi o crescente número de assassinatos de jovens negros no Brasil nos últimos anos, confirmados em diversas pesquisas divulgadas recentemente. É o caso dos dados do Mapa da Violência 2014, que apontam que 56 mil pessoas foram assassinadas em 2012, sendo 30 mil jovens entre 15 e 29 anos, destes 77% eram jovens negros. O perfil desses jovens também é o mesmo, em sua maioria homens e negros, moradores das periferias de áreas metropolitanas.
De 1980 a 2011, foram mortos 20.852 jovens negros, um número três vezes maior que o número de homicídios de jovens brancos. Um crescimento de 32,4% nos homicídios do mesmo grupo no período entre 2002 e 2012. Levantamento da Anistia internacional também confirmam essa preocupante estatística, mostrando que mais de 23 mil jovens negros são assassinados por ano no Brasil.
Os debatedores apontaram que o racismo pode ser identificado em muitas das estruturas do Estado. Ele está no tratamento diferenciado dado pela mídia, no despreparo e abordagem da policia, entre outros. Tratamento que para o mestre em Psicologia Social, Valter da Mata, reflete um sentimento de vingança e não de justiça. O psicólogo aponta ainda que persiste uma grande omissão por parte da Psicologia com relação ao racismo, justificado por questionamentos como “O que a Psicologia tem a ver com isso?”.
“A maioria da categoria é incapaz de perceber que existe racismo, e que esse racismo é produtor de sofrimento psíquico. Estamos em um momento de transformação da nossa categoria, saindo dos consultórios e clínicas para espaços antes não ocupados pela Psicologia, que são os espaços das políticas públicas. Nesses espaços nós vamos nos encontrar cotidianamente com a população negra. Se nós não tivermos essa dimensão e não nos prepararmos teoricamente para lidar com essas questões, nós estaremos fazendo estelionato profissional”, alerta Valter da Mata.
Para o advogado Daniel da Silva Bento Teixeira, o genocídio é confirmado a cada dia quando olhamos para as estatísticas. E que a herança do período da escravidão se arrasta até hoje em uma legislação que perpetua essa exclusão.
De acordo com ele, as leis no país e os tratados dos quais o Brasil é signatário são bons, porém, a sua não efetiva aplicação acaba penalizando os jovens e negros. Como exemplo, ele cita a tipificação do racismo como crime – lei estabelecida desde 1997- e os 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), completados e celebrados em 2015, mesmo momento em que se debate no Congresso a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Legislação que segundo ele, visivelmente irá condenar muito mais jovens negros das periferias.
“O Brasil é o país que ficou conhecido, em termos de leis abolicionistas, como país de leis para ‘inglês ver’, esse é o detalhe. Quando discutimos a efetivação dos direitos humanos no país, garantidos pela legislação, pelos tratados internacionais. No plano legal temos uma excelência, somos exemplo de um país que tem uma legislação eficiente e bonita, mas quando vamos para as práticas sabemos o quanto elas não são cumpridas. E muitas vezes o próprio destinatário dessas leis, se torna a vítima dessa legislação” aponta Daniel.
Ele chama a atenção para leis que vieram depois de séculos de escravidão, como a Lei do ventre livre, a partir daí se entende , segundo ele, a herança que a criança negra carrega desde esse período, que as deixaram sem nenhuma visão promissora de futuro.
De acordo com a coordenadora do movimento de Mães de Maio, além de todo o histórico de preconceito das estruturas do Estado e da sociedade, ainda existe a realidade da impunidade nesses casos. Débora pertence a um grupo de mães que perderam seus filhos mortos pela polícia, lembra que o judiciário se ausenta desses casos, negando assistência judiciária a essas pessoas, além de muitas vezes não levar adiante esses casos, o que faz com que a luta por justiça dessas mães se torne ainda mais dolorosa.
Analisando as estatísticas e o histórico de chacinas que vitimam jovens negros no país, ela destacou que a vida do jovem negro e pobre vem sendo banalizada. O filho dela é uma das vitimas dessa banalização e foi morto pela polícia em 2006. “A instituição policial é letal e não foi feita uma reparação aos negros no país como deveria. Vemos que o Brasil é um país racista, que ainda preserva uma policia racista. Matam nossos filhos como baratas e não temos profissionais preparados para lidar com a mãe do gueto. Inaceitável uma família viver com a dor da impunidade e, além disso, ver uma sociedade “abortar” nossos filhos depois de criados”, disse Débora.
Para assistir o bate papo na integra acesse o link: http://bit.ly/1Mmswo2
Fonte: www.cfp.org.br