No último dia 13/10, foi publicada a Portaria Interministerial nº 3/2021 (Ministério Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e Ministério da Justiça e Segurança Pública) – que institui um grupo de trabalho para a elaboração de estudo para a proposição da Política Nacional de Qualificação de Conteúdo para a Criança e o Adolescente. Na prática, a medida tem como objetivo rever a política de classificação indicativa em vigor no país.
O processo de classificação indicativa é uma atribuição do Ministério da Justiça e Segurança Pública e conta com o Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC), que assessora o poder público na formulação de propostas sobre o tema, que analisa e define a faixa etária a qual obras audiovisuais não se recomendam.
Desde junho de 2019, o governo não convocou nenhuma reunião do CASC. As organizações que subscrevem a nota – entre elas o Conselho Federal de Psicologia (CFP) manifestam grande preocupação com o fato de o espaço institucional de participação da sociedade civil na referida política pública vir sendo sistematicamente ignorado, mesmo com reiterados pedidos por parte do Comitê.
Confira a nota na íntegra:
Governo desrespeita colegiado ao firmar portaria para rediscutir política de Classificação Indicativa
Enquanto organizações que integram o Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC), foi com surpresa que tomamos conhecimento, pela imprensa, de uma portaria divulgada, no último dia 13/10, criando um grupo de trabalho para rever a política de Classificação em vigor no país.
Assinada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, e pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, a portaria, de acordo com o noticiário, tem o objetivo de construir uma política de “Qualificação de Conteúdo para a Criança e Adolescente”, no prazo de um ano. A base para a nova regulação seria resultado do mapeamento de “potenciais abusos sofridos por crianças e adolescentes provocados por violações a direito desse público contidos em programas televisivos e conteúdos audiovisuais em geral, exibidos por emissoras de rádio e televisão, provedores de conteúdo online na internet, diversões e espetáculos públicos.”
Em funcionamento desde 2012 e tendo sua composição atual estabelecida pelo Decreto nº 9.856, de 25/06/2019, o CASC é órgão de caráter permanente, consultivo e de promoção da participação social no âmbito da política pública de Classificação Indicativa. Vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, tem o objetivo de assessorar o poder público na formulação de propostas sobre o tema, devendo se reunir ordinariamente uma vez por semestre. Entretanto, desde junho de 2019, o governo não convocou nenhuma reunião do CASC, mesmo com reiterados pedidos por parte deste Comitê. Como a portaria recém anunciada ainda não foi publicada no Diário Oficial da União, não se sabe que órgãos integrarão o novo grupo de trabalho.
Neste sentido, as organizações que subscrevem esta nota manifestam grande preocupação com o fato de o espaço institucional de participação da sociedade civil na referida política pública vir sendo sistematicamente ignorado pela gestão Bolsonaro em suas atribuições. Depois de reduzir significativamente a composição do CASC no início de sua gestão – quando dezenas de conselhos de participação social foram extintos no país -, agora o governo federal avança sobre a política de Classificação Indicativa agindo como se o Comitê não existisse.
As declarações da ministra Damares Alves demonstram preocupação com a veiculação de conteúdos violentos que estariam afetando crianças e adolescentes em serviços de streaming e também na grade dos canais de TV, transmitidos em horário anteriormente reservado à programação de classificação indicativa livre. Para o secretário nacional dos direitos da criança e do adolescente, Maurício Cunha, “do jeito que está hoje, não dá pra ficar”. Se dialogassem com as organizações que integram o CASC, ministra e secretário saberiam que tais riscos também são objeto de preocupação da sociedade civil, que historicamente atua em defesa dos direitos da infância nos meios de comunicação.
Tais organizações, dentre outras, há muito tempo denunciam as sistemáticas violações de direitos humanos praticadas nos chamados programas policialescos, que atingem não apenas meninos e meninas, mas direitos de toda a sociedade brasileira – como demonstram inúmeras pesquisas sobre o tema.
As organizações do CASC que subscrevem esta nota também propusemos, na ocasião da consulta pública realizada pelo Ministério da Justiça em junho deste ano para a construção de nova portaria para regulamentar o procedimento de análise da Classificação Indicativa, a criação de um grupo de trabalho para iniciar, de maneira multissetorial, discussões sobre a proteção de crianças diante de conteúdos veiculados no ambiente online.
O Ministério não aceitou a proposta. Agora invoca argumentos da sociedade civil para instituir, unilateralmente e desconsiderando o acúmulo das discussões sobre esses temas no país, um processo de desenvolvimento de uma nova política, cujos objetivos e diretrizes não estão claros.
Reforçamos, assim, a urgência da retomada das reuniões ordinárias do CASC e o respeito, por parte do governo federal, dos espaços de participação social ainda em funcionamento no Brasil. Foi essa participação que, historicamente, permitiu que o Estado brasileiro implementasse, com sucesso, uma política pública de proteção a crianças e adolescentes nos meios de comunicação, sem violações e restrições arbitrárias ao exercício da liberdade de expressão.
18 de outubro de 2021.
ANDI – Comunicação e Direitos
Conselho Federal de Psicologia
Instituto Alana
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Sociedade Brasileira de Pediatria
Fonte: Conselho Federal de Psicologia