Uma ação articulada inédita de inspeções a hospitais psiquiátricos foi realizada entre os dias 3 e 7 de dezembro em 17 estados das cinco regiões do país. A ação, que vistoriou 40 instituições, evidenciou graves situações de violação de direitos, tratamento cruel, desumano e degradante, assim como indícios de tortura a pacientes com transtornos mentais.
A ação foi uma iniciativa conjunta do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Regionalmente, as inspeções foram coordenadas pelos Conselhos Regionais de Psicologia, Ministérios Públicos Estaduais e Ministérios Públicos do Trabalho (MPT) estaduais.
Estima-se que a iniciativa mobilizou cerca de 200 profissionais em vistorias que ocorreram simultaneamente nos estados de Acre, Amazonas, Maranhão, Ceará, Bahia, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde três instituições foram inspecionadas.
A coleta de informações envolveu visitas aos espaços físicos, entrevistas com usuários, direção e equipes de trabalho, além da análise de documentos das instituições. E, como parte da metodologia dessa inspeção, será produzido e divulgado no próximo ano um relatório analítico, assim como foi feito com as inspeções às comunidades terapêuticas em 2017. Com os subsídios gerados pelo novo relatório, as coordenações estaduais das inspeções adotarão, via MP e MPT, ações emergenciais para averiguar as irregularidades encontradas nesses hospitais e tomar medidas para garantir os direitos dessa população.
Para o presidente do CFP, Rogério Giannini, as inspeções a hospitais psiquiátricos são ”uma forma de voltar a discutir com a sociedade a precariedade desse tipo de atendimento”. Segundo ele, historicamente o CFP compõe junto às demais instituições envolvidas nas inspeções, um grande bloco na sociedade na área da Saúde Mental, que é o campo antimanicomial, “o qual entende que o sofrimento psíquico intenso não pode ser motivo de isolamento das pessoas em unidades de internação”.
Alvo de inspeções – Assim como as novas vistorias aos hospitais psiquiátricos, pela primeira vez, em 2017, foram realizadas inspeções em Comunidades Terapêuticas em todo o país. De acordo com Lúcio Costa, membro do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, um ponto comum entre esses dois tipos de estabelecimentos, e que motivou as inspeções, é o fato do Governo Federal estar financiando as instituições à revelia das diretrizes da saúde pública no Brasil, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). "Essas instituições são ultrapassadas e atendem aos interesses de grupos empresarias reunidos para segregar pessoas”.
As inspeções revelaram que grande parte das pessoas encontradas em hospitais psiquiátricos são privadas de liberdade ilegalmente, sob a condição de um suposto ”tratamento”. Além disso, em alguns hospitais pôde-se constatar uma quantidade significativa de pessoas com deficiência em situação de depósito, sem qualquer medida terapêutica que vise o processo de reinserção social - pacientes esses que, muitas vezes, possuem um longo tempo de internação.
De acordo com Costa, em uma inspeção a uma instituição psiquiátrica de Araras (SP) foi informado que um dos pacientes está internado, sem sair do local, há 60 anos. Dentro dessa mesma instituição, foi possível observar, no momento da vistoria, um velório. Segundo Costa, a ocorrência “simbolicamente traduz os efeitos de uma instituição total, em que o indivíduo passa a vida toda dentro de um local e que, quando morre, o velório precisa ser realizado dentro da própria instituição”.
No início da semana, em Cuiabá (MT), cerca de 15 profissionais vistoriaram um grande hospital do munícipio. Instalado em um prédio antigo da década de 1950, conforme informado pela conselheira do CFP, Marisa Helena, que participou da inspeção, o hospital apresentava instalações precárias, com falta de ventilação, pouca luz e fios de eletricidade aparentes.
O hospital, além disso, ainda mantinha elementos de um prédio de instituição manicomial, apesar de aparentemente ser bem equipado. “Está impregnada ali a ideia de uma instituição total, que priva de liberdade e não deixa ver o mundo fora”, disse Marisa Helena. "Por trás de uma suposta humanização, devido a essas melhorias técnicas, na verdade estão reforçando o sistema manicomial”, completou.
Fonte: CFP