Segue cópia da Nota de Esclarecimento enviada ao Departamento de Tratamento Penal (DTP) e Imprensa da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
Nota de esclarecimento técnico sobre a atuação dos/as psicólogos/as no Sistema Prisional
Primeiramente, gostaríamos de parabenizar a SUSEPE pela convocação e nomeação de mais 128 Técnicos Superior Penitenciários (TSP) incluindo nestes 50 psicólogos/as que certamente qualificarão ainda mais a atuação desta área junto à realidade prisional gaúcha. Porém, percebemos pela notícia veiculada sobre esta nomeação que ainda restam dúvidas e visões distorcidas sobre qual é o efetivo trabalho que um profissional da Psicologia pode/deve realizar no sistema prisional e principalmente qual a orientação da SUSEPE no que tange ao auxílio deste profissional ao Judiciário. Com base em inúmeros estudos, textos e referenciais teóricos e conceituais elaborados e publicados nos últimos dez anos pelo Sistema Conselhos de Psicologia cabe aqui alguns esclarecimentos.
Com base nos Princípios Fundamentais, referenciados no Código de Ética da Psicologia (Resolução CFP Nº 010/05), o/a psicólogo/a: “I. baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiando nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. II. trabalhará visando promover saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. III. atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.”
Tanto no Código de Ética e como nas Referências Técnicas e Diretrizes para a Atuação das(os) Psicólogas(os) no Sistema Prisional (Conselho Federal de Psicologia, Ministério da Justiça e o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), os/as psicólogos/as que atuam neste campo possuem foco social e prestam serviço para a população encarcerada no cuidado integral à saúde destas pessoas que compõe as seguintes práticas: acolhimento, escuta e acompanhamento psicológico que visa a desenvolver nos sujeitos presos recursos para lidar com a situação de prisão através do fortalecimento de laços sociais; trabalho interdisciplinar com a rede pública de assistência social e saúde; desenvolvimento de projetos para implementação de políticas que garantam os direitos e que deem acessibilidade e inclusão às pessoas presas; desenvolvimento de autonomia dos sujeitos presos visando seu retorno à liberdade; fortalecimento de práticas de educação, pesquisa e extensão que possibilitem pensar o Sistema Prisional e as questões que o atravessam de maneira crítica e complexa.
Cabe ainda ao profissional da psicologia e áreas afins, questionar o modelo de sistema carcerário que se apresenta, principalmente quando é solicitado a investigar a suposta “periculosidade” dos sujeitos de forma exclusivamente individual e natural, bem como descontextualizada temporal e espacialmente. Ou seja, cada vez mais o profissional da Psicologia deve se opor ao clássico e ultrapassado direcionamento de sua prática para ações a-críticas e a-históricas, questionando principalmente o sistema quando lhe é imposto servir de mero juiz secundário para a tomada de decisões de um sistema altamente excludente.
Conforme as Referências Técnicas para Atuação das (os) Psicólogas (os) no Sistema Prisional (2012):
“o modelo oficial das ciências criminais vislumbra os demais saberes como servis, permitindo apenas que forneçam subsídios para a disciplina mestra do direito penal”. “A arrogância do direito penal aliada à subserviência das áreas de conhecimento que são submetidas e que se submetem a este modelo, obtém como resultado o reforço do dogmatismo, o isolamento científico e o natural distanciamento dos reais problemas da vida”. (Carvalho (2008), p.46)
Portanto, as referências técnicas ainda sugerem que o trabalho do/a psicólogo/a deve ser pautado na análise das formas como nossa sociedade tem lidado com as questões sociais, com os fenômenos da violência social, exclusão e marginalização, por meio de políticas de criminalização da pobreza, políticas do cárcere “duro” e pela constituição de um Estado Penal tipicamente brasileiro. (p.47)
Por fim, é relevante lembrar que a Resolução 012/2011 do CFP que regulamenta a atuação dos/as Psicólogos/as no Sistema Prisional dispõe, entre outros, em seu Art. 4º.b) § 1º. veda a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delito- delinquente.
Porto Alegre, 01 de dezembro de 2014.
Núcleo do Sistema Prisional do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS)