O Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, juntamente com a Comissão de Avaliação Psicológica – CAP, vem a público demonstrar sua indignação sobre a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3481, que declarou inconstitucionais os dispositivos da Resolução nº 02/2003 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que restringem a comercialização e o uso de manuais de testes psicológicos a profissionais inscritas/os no Conselho e obrigam as editoras a registrar os dados das/os psicólogas/os que os comprarem.
A norma mencionada, em consonância com a Lei Federal 4.119/62, que regulamenta a profissão de psicóloga/o, determina os requisitos mínimos obrigatórios para reconhecer um instrumento como teste psicológico e permitir seu uso profissional pela/o psicóloga/o e, a partir disso, dispõe que a comercialização e o uso de testes psicológicos sejam restritos às/os psicólogas/os. Por se tratar de instrumentos privativos da profissão, não podem ser comparados à literatura, mesmo que de cunho científico, de livre acesso, pois se referem a materiais elaborados e validados para uso específico no país, regulamentado pelo CFP e avaliado constantemente pelo SATEPSI (Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos).
A atual gestão do CRPRS, através da Comissão de Avaliação Psicológica, se reuniu com o Conselho Federal de Psicologia e sua assessoria jurídica para elucidação sobre a ADI nº 3481, e mantém posição contrária ao estabelecido no voto do Ministro Alexandre de Moraes que não reconhece a restrição da comercialização como própria da profissão e sim, mantém sua decisão baseada na compreensão do livre acesso às informações científicas e que por isso, devem ser acessados amplamente, por tratar-se de matéria de relevância social. O histórico de todo o trabalho do Conselho Federal de Psicologia na ação pode ser acessado clicando aqui.
A dúvida que se impõe agora é: a aplicação dos testes também será liberada para outros profissionais, em caráter indiscriminado?
A resposta é NÃO.
A aplicação dos testes segue PRIVATIVA/EXCLUSIVA da Psicologia.
Mesmo no voto do relator que motivou a liberação da comercialização dos manuais, é observado o caráter típico e privativo da profissão, conforme preconizado pela Lei Federal nº 4.119/62, que regulamenta a profissão no país. Desta forma, cabe a nós, profissionais da área de avaliação psicológica, estarmos atentas/os e preparadas/os para lidar com as situações que possam vir a se apresentar, no momento da avaliação. Nós, profissionais da área da avaliação psicológica, sabemos que nossas decisões não podem nem devem ser baseadas em informações únicas, oriundas de apenas um instrumento. A avaliação psicológica é um processo complexo, que demanda orientações e regulamentações próprias, além de possuir um rol amplo de instrumentos à disposição e estes não foram objeto de questionamento pela ADI nº 3481.
As resoluções que tratam do rigor ético e técnico da profissão seguem validadas e serão determinantes para que nós, profissionais da Psicologia, tenhamos condições de perceber fatores como manipulação, treino e demais interferências externas ao processo de avaliação. No entendimento do Sistema Conselhos de Psicologia, fundamentando, inclusive, na lei que regulamenta a profissão, o rigor na aplicação desses instrumentos também é essencial para preservar a integridade dos testes às pessoas a eles submetidas. Esse também foi o entendimento de quatro dos ministros do STF, infelizmente a minoria, que acatou os argumentos da Procuradoria Geral da República. Alertamos para o risco de que a possibilidade de aquisição, por quaisquer pessoas, desses instrumentos e seus manuais afronte a preservação dos procedimentos psicológicos realizados, já que o estudo dos manuais dos referidos instrumentos pode alterar as possíveis respostas que, não espontâneas, poderão se guiar a partir do estudo/treino para a resposta esperada e, assim, burlar o processo avaliativo.
A avaliação psicológica para porte de arma de fogo, para concessão da Carteira Nacional de Habilitação, para concursos públicos, aviação civil ou para cirurgia bariátrica são exemplos de processos compulsórios da avaliação psicológica, podem apresentar, a partir desta flexibilização banalizada, situações de insegurança técnica que poderão surgir caso tais procedimentos de avaliação psicológica sejam pautados por estratégias e respostas amplamente conhecidos pelas pessoas submetidas à avaliação.
O CRPRS posiciona para o risco de outras/os profissionais, não psicólogas/os, ou mesmo a sociedade como um todo tenham acesso a esses instrumentos privativos de forma indiscriminada se efetivar como banalização da profissão e não haver mais garantia sobre os procedimentos psicológicos realizados. O acesso aos manuais dos referidos instrumentos, caracterizados como “livros” mesmo que de cunho técnico pelo Ministro relator Alexandre de Moraes, na verdade são manuais técnicos que trazem a explicação acerca da aplicação e correção dos mesmos, bem como das respostas possíveis e de suas interpretações, induzindo, assim, uma pessoa que tenha sido submetida a um procedimento de avaliação psicológica a dar a resposta que se espera, podendo comprometer e mesmo burlar todo o processo de avaliação psicológica.
O uso indiscriminado dos instrumentos e técnicas psicológicas por outras profissões fora dos critérios éticos, técnicos e científicos da profissão não garante resultados coerentes e pode agudizar quadros relacionados à saúde mental, como frequentemente observamos nas mais diversas denúncias éticas que chegam ao sistema conselhos de psicologia.
Diante deste cenário obscuro que fragiliza nossa profissão, o Sistema Conselhos de Psicologia chama a categoria para refletir criticamente sobre este campo da avaliação psicológica:
• Como tal trabalho poderia ser desenvolvido com rigor técnico e ético a partir do momento em que a pessoa submetida a uma testagem psicológica já conhecesse o instrumento e soubesse qual resposta deveria fornecer?
• Qual seria a justificativa de que manuais desses instrumentos, que só podem ser utilizados por psicólogas/os, sejam amplamente comercializados?
• Será que foram pesados os riscos e danos à sociedade para emissão de uma decisão desse tipo?
• A que interesses serve a liberação do acesso a manuais que explicam detalhes sobre os estudos realizados, modos de correção dos testes e explicação sobre resultados?
• Quais os riscos de se comercializar tais informações irrestritamente e como elas podem ser usadas para orientar indevidamente candidatas/os em processos tão conhecidos, por exemplo, as já citadas avaliações para porte de armas e obtenção da Carteira Nacional de Habilitação?
• Que interesses mercadológicos de propagação e venda de orientações sobre “comportamentos e perfis” esperados para ser considerada/o apta/o em tais testes?
Importante considerar, inclusive, que tais vendas de “respostas mágicas” fora dos padrões éticos, técnicos e científicos das profissões já ocorrem em países onde há livre acesso a tais instrumentos e demandam outras necessidades à profissão, como medidas específicas de combate à banalização do processo de avaliação psicológica.
Por óbvio, a partir desta decisão, será cada vez mais necessária a nossa qualificação profissional para o desempenho da avaliação psicológica. À/Ao profissional cabe a responsabilidade pelo seu contínuo aprimoramento no que se refere ao uso desses instrumentos e pelo desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática, conforme previsto no Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o (Resolução do CFP 10/2005).
A atual gestão do CRPRS, Frente em Defesa da Psicologia do RS, juntamente com a Comissão de Avaliação Psicológica, lamenta a decisão que banaliza a atuação profissional das/os psicólogas/os e já está planejando ações para garantir a segurança do trabalho nesta área, ofertando ações de orientação e apoio institucional para as/os profissionais e também junto à a invalidação das demais ações propostas, tanto pelo judiciário quanto pelo legislativo, que atacam diretamente nossa profissão.