Em 11 de março de 2020, a infecção causada pelo novo coronavírus, denominada COVID-19, foi definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma pandemia, caracterizando a gravidade da situação e o aumento vertiginoso das pessoas infectadas e mortas por esse vírus. Em 20 de março, o Congresso Nacional brasileiro reconheceu a ocorrência de estado de calamidade pública, mediante o Decreto Legislativo nº 06 de 2020, com efeitos até 31 de dezembro de 2020. Também nessa data, o Ministro da Saúde, Sr. Luiz Henrique Mandetta, declarou haver transmissão comunitária do coronavírus em todo o território nacional, bem como estimar que os índices de adoecimento por COVID-19 deverão aumentar exponencialmente até o final do mês de junho[1].
No que tange ao sistema prisional brasileiro, as Medidas de Controle e Prevenção do Novo Coronavírus no Sistema Penitenciário Federal[2], as quais servem como parâmetro para os outros estabelecimentos prisionais, indicam que, ao fazer o atendimento em saúde, o profissional use equipamento de proteção individual (EPI) consistindo de óculos, luvas, jaleco e máscara. Além disso, essas mesmas medidas definem como contato próximo o fato de estar a aproximadamente dois metros ou menos da pessoa com suspeita de caso por novo coronavírus, dentro da mesma sala ou área de atendimento por um período prolongado, sem uso de EPI, podendo incluir situações tais como compartilhar uma assistência ou ter contato direto com fluidos corporais, também sem uso de EPI.
Ademais, as Diretrizes para atuação e formação das/os psicólogas/os do sistema prisional brasileiro indicam que a/o psicóloga/o deve interagir com os demais profissionais das áreas técnicas com vistas ao cuidado da saúde do trabalhador do sistema prisional. Essas mesmas Diretrizes indicam que, quando houver imperativo ético de denúncia das violações de direitos humanos e situações de tortura, a psicóloga deve procurar seu conselho profissional e o conselho de defesa da pessoa humana (dentre outras entidades) para a formulação da denúncia, com respaldo nas legislações nacionais e internacionais quando se esgotarem os recursos das instâncias internas. (DEPEN/CFP, 2007)
Quanto às recomendações à categoria frente ao COVID-19, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), no dia 14 de março de 2020, orienta:
1) a indicação de, durante os atendimentos presenciais, manter os ambientes ventilados, com janelas abertas;
2) adoção e manutenção dos aspectos de higiene que visem a minimizar riscos de contaminação;
3) conscientizar sobre eventuais mudanças de hábitos e possíveis implicações emocionais advindas dessas mudanças;
4) abordar, quando necessário, implicações emocionais de uma possível quarentena e de aspectos psicológicos do isolamento;
5) prestar informações precisas de modo a não causar pânico.
Também o CFP, em 24 de março de 2020, lançou a Carta de recomendação a gestores públicos, empregadores e usuários de serviços de psicólogas em todo o território nacional, indicando a suspensão imediata de atividades profissionais da psicóloga na modalidade presencial, com exceção daquelas comprovadamente emergenciais. Por situações comprovadamente emergenciais, entendemos o atendimento a “pessoas muito abaladas e que foram recentemente expostas a uma situação de crise grave” (OPAS, 2015, p.4), a ponto de não conseguirem cuidar de si ou, ainda, que ofertem riscos a si mesmas ou a outras pessoas.
Quanto às recomendações à categoria para atendimentos em Unidades do Sistema Prisional, indica-se avaliar a suspensão das atividades eletivas, não emergenciais e não essenciais, como medida de prevenção e de redução dos riscos e danos à saúde coletiva. Além disso, a Nota Técnica do CFP sobre a atuação da Psicologia na gestão integral de riscos e de desastres relacionadas com a política de defesa civil, publicada em 13 de dezembro de 2016[3], destaca a determinação de que a atuação da/o psicóloga/o esteja integrada ao Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil, a ser elaborado pelo Município/Estado/ Governo Federal. Essa mesma Nota Técnica dita que as ações da Psicologia devem ocorrer nas cinco fases propostas pela Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC)[4], quais sejam: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação, bem como destaca a importância de que a Psicologia se vincule às políticas e estratégias do Sistema Único de Saúde (SUS), que tenham por objetivo reduzir os riscos da população e dos profissionais da saúde em situações de epidemias, e desenvolva planos de saúde mental e atenção psicossocial na gestão integral de riscos e de desastres, além de auxiliar na produção de protocolos e guias de atenção e cuidado nestes cenários.
Diante disso, a atuação em situações de emergências, desastres e pandemias requer amplo conhecimento técnico, que deve ser proveniente das diversas linhas de atuação da Psicologia, necessitando de preservação da integridade dos profissionais, bem como suas condições de trabalho, no intuito de atuar com segurança na criação de medidas preventivas, de orientação aos profissionais envolvidos e de atendimento direto sobre os aspectos relativos à saúde mental, após a ocorrência dos sofrimentos produzidos pelas circunstâncias da pandemia. Assim, o trabalho da psicóloga é de natureza essencial para a manutenção e o reestabelecimento da saúde mental nas unidades prisionais, incluindo os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HTCP), ocorrendo mediante o atendimento às pessoas privadas de liberdade (PPL) ou em medida de segurança, aos seus familiares e, eventualmente, a outros servidores penitenciários. Sobre o sistema prisional brasileiro, o Brasil tem mais de 812 mil pessoas privadas de liberdade e a superlotação carcerária registrada no segundo trimestre de 2019 era de 166,57%[5], de modo que o trabalho regular da/o psicóloga/o no ambiente prisional pode ser análogo ao prescrito para as situações de crise, tanto durante o desastre quanto na sequência, visando prevenir e minimizar os sofrimentos experienciados.
Diante do exposto acima, o Conselho Federal de Psicologia no uso de suas atribuições em acordo com a Lei 5.766, de 1971, emite as seguintes orientações e indicações às psicólogas e aos psicólogos que atuam no Sistema Prisional brasileiro:
Todas as ações devem levar em consideração os riscos de contaminação, devendo a psicóloga evitar ao máximo se submeter a circunstâncias nas quais possa colocar em risco sua integridade, bem como a das pessoas atendidas, primando pela preservação da qualidade do trabalho a oferecer e em condições que possibilitem o exercício profissional conforme os ditames do Sistema Conselhos de Psicologia.Nas situações em que, em acordo com as orientações das autoridades sanitárias, haja possíveis riscos decorrentes da pandemia, os atendimentos de emergência e de orientação poderão ser realizados por meios de tecnologia da informação e da comunicação, online ou por chamadas telefônicas, podendo a psicóloga permanecer em regime de teletrabalho (resguardados seus direitos), para atender as situações que necessitem de sua intervenção;
Caberá à psicóloga, respeitadas as normativas estabelecidas pelos gestores em relação à visitação e ao ingresso de insumos, zelar para que a comunicação entre as pessoas privadas de liberdade e sua rede sócio afetiva seja preservada da melhor forma possível, mediando essa comunicação quando for vedada a visitação, bem como demandando aos gestores as condições tecnológicas e de infraestrutura para realizar essa mediação.
Visando à adesão das pessoas privadas de liberdade em unidades prisionais ou hospitalares ao autocuidado e ao cuidado para com as demais pessoas e com o espaço em que se encontram, a psicóloga adotará, em conjunto com os demais servidores, as seguintes medidas preventivas:
1. Alertar as pessoas privadas de liberdade e aos pacientes custodiados nos HTCPs sobre os riscos da pandemia do novo COVID-19 e orientá-las a respeito das ações e hábitos que previnem o contágio, tais como protocolos de higienização pessoal, protocolos de limpeza do espaço e de objetos com os quais tenham contato, protocolos de convivência;
2. Quando não for possível a orientação através de comunicação verbal direta com todas as pessoas que atende, a psicóloga poderá realizá-la por meio de representantes dos alojamentos, celas ou galerias;
3. A orientação poderá ainda ser realizada também mediante comunicação escrita em panfletos explicativos ou cartazes que contenham imagens ilustrativas, distribuídos nos alojamentos, celas ou galerias;
4. Os materiais impressos poderão ser adquiridos em estabelecimentos da rede SUS;
5. Quando o gestor não providenciar os insumos necessários para a higienização das pessoas, ambientes, roupas e calçados, recomenda-se à psicóloga, como agente de saúde, solicitação de fornecimento à direção do estabelecimento prisional, preferentemente de forma documentada;
6. Quando o gestor não atender a demanda relativa ao item 3.5, caberá à psicóloga denunciar ao Ministério Público e à entidade de defesa de direitos humanos correspondente a esse território.
7. A psicóloga contribuirá com a articulação entre instituições que possam auxiliar na realização das ações preventivas descritas;
8. A psicóloga avaliará, em equipe multidisciplinar, quando esta existir, os casos considerados graves, seja fisicamente (em acordo com os fatores de risco apontados pelas autoridades sanitárias) ou acometidos por intensos sofrimentos psíquicos decorrentes da pandemia atrelada à vivência do encarceramento;
9. Nos casos apontados no item 3.8, solicita-se à psicóloga documentar e encaminhar às autoridades cabíveis a necessidade de medidas jurídicas (tais como a prisão domiciliar ou desospitalização com atendimento na rede do Sistema Único de Saúde-SUS) que possam proporcionar a proteção necessária ao assistido, às outras pessoas privadas de liberdade no estabelecimento e aos profissionais que atuem nesse mesmo espaço.
Orientar e intervir junto aos demais profissionais envolvidos, visando prestar apoio e auxiliar na superação dos sofrimentos experienciados, bem como no tratamento dispensado às pessoas privadas de liberdade ou em medidas de segurança:
1. Disponibilizando escuta psicológica emergencial aos agentes penitenciários responsáveis pela custódia e integridade física das pessoas privadas de liberdade, bem como aos demais servidores no âmbito do sistema prisional;
2. Oferecendo protocolos de conduta sobre autocuidado, uso de equipamentos e cuidados para com as pessoas custodiadas e com o ambiente, e oferecendo orientação a respeito desses protocolos;
3. Orientando em relação ao tratamento dispensado às pessoas privadas de liberdade, principalmente em face às dúvidas dessas pessoas sobre a pandemia e sobre os protocolos a serem adotados quando uma pessoa apresentar sinais que exijam o encaminhamento ao atendimento em saúde e/ou em saúde mental.
Considerar, no atendimento psicológico, o foco nas experiências de sofrimentos causadas pelas circunstâncias da pandemia de COVID-19 associada ao processo de encarceramento, com vistas à promoção de saúde mental e prevenção de possíveis agravos decorrentes desta associação.
1. O atendimento psicológico considerará os possíveis danos e perdas sofridos em decorrência da pandemia pelas pessoas atendidas;
2. A prática psicológica, no contexto prisional durante a pandemia, procurará evitar a promoção de preconceitos ou patologização das pessoas deste cenário, considerando sempre a prática baseada na defesa da garantia dos direitos humanos;
3. Após a remissão da pandemia, quando for novamente permitido pelas instruções e normativas sanitárias e de outras autoridades, é sugerido à psicóloga a elaboração, execução ou promoção de projetos de atendimento coletivo, com ênfase na recuperação dos sofrimentos experienciados, bem como buscando construir diferentes perspectivas para a produção de alternativas comunitárias de pensamento e saúde;
4. Contribuir com a diminuição de sintomas tais como lembranças repetitivas ou pesadelos sobre os sofrimentos experienciados, distanciamento emocional, hipervigilância, irritabilidade, sentimentos negativos quanto à capacidade de autoproteção, dentre outros.
Providenciar insumos, equipamentos e infraestrutura em localização e número adequado e suficiente para atender a Carta de recomendação do CFP a gestores públicos, empregadores e usuários de serviços de psicólogas de em todo o território nacional[6], notadamente no que tange a:
1. Providenciar as condições adequadas de prevenção e de proteção contra o COVID-19 recomendadas pelas autoridades sanitárias, tais como máscaras e álcool 70%, principalmente quando o atendimento presencial for comprovadamente necessário;2. Disponibilizar Tecnologias de Informação e Comunicação para o exercício profissional da Psicologia a distância;
3. Criar comitês, grupos ou comissões para tratar de estratégias, métodos e avaliações de serviços psicológicos essenciais conforme o caso, bem como o modo de oferecê-los neste momento de calamidade pública;
4. Garantir a manutenção contratual e salarial do psicólogo ante as flexibilizações exigidas para este momento de calamidade pública;
5. Concentrar os serviços psicológicos para promover a saúde mental da população prisional, familiares e servidores penitenciários neste momento de calamidade pública.
Finalmente, recomenda-se à categoria, para atendimentos em Unidades do Sistema Prisional:
1. Garantir que os atendimentos em todas as modalidades ocorram com direito à segurança de distanciamento em relação às pessoas privadas de liberdade;
2. Avaliar a suspensão temporária da realização de atividades grupais;
3. Garantir que o atendimento individual, caso necessário, seja realizado em ambiente com circulação de ar de modo que garanta a segurança à saúde das pessoas atendidas e das/dos profissionais;
4. Garantir que sejam fornecidas máscaras para as pessoas com sintomas de gripe e que sejam adotadas todas as medidas cabíveis para uma higienização segura do ambiente (álcool em gel 70%, água sanitária, água e sabão amarelo, etc.).
Brasília, 06 de abril de 2020.
Referências:
Conselho Federal de Psicologia. Nota técnica sobre a atuação de psicólogos em situações de emergências e desastres relacionadas com a política de Defesa Civil. Em: – https://site.cfp.org.br/documentos/nota-tecnica-sobre-atuacao-de-psicologaos-em-situacoes-de-emergencias-e-desastres-relacionadas-com-a-politica-de-defesa-civil/
Conselho Federal de Psicologia/Departamento Penitenciário Nacional. Diretrizes para atuação e formação dos psicólogos do sistema prisional brasileiro. Brasília, DF, 2007.
Franco, M. H.P. (2015). A intervenção psicológica em emergências: fundamentos para a prática. São Paulo: Summus.
Organização Pan-Americana da Saúde. Primeiros cuidados psicológicos: guia para trabalhadores de campo. Brasília, DF: OPAS, 2015.
Reis, A. M. Psicologia das emergências e desastres: como o psicólogo pode atuar? Em: http://www.pearsonclinical.com.br/blog/2019/geral/psicologia-das-emergencias-e-desastres/
Trindade, M. C.; Serpa, M. G. O papel dos psicólogos em situações de emergências e desastres. Estudos e pesquisas em psicologia. Vol.13, nº 1. Rio de Janeiro, abril 2013. Em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812013000100017
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Nota de rodapé: As disposições que contenham termos no gênero feminino, compreendem, também, os respectivos termos no gênero masculino.
Fonte: Conselho Federal de Psicologia