O Conselho Regional de Psicologia participou, no último sábado, 26/06, às 18h, do webinário alusivo ao Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, realizado pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial. Na ocasião, o Núcleo do Sistema Prisional do CRPRS falou sobre os hospitais de custódia e a tortura na perspectiva da/o trabalhadora/or.
O evento, mediado pela deputada Erika Kokay (PT), tinha como principal objetivo debater as diferentes formas de tortura institucionalizas em comunidades terapêuticas e manicômios judiciários - hospitais-prisões para pessoas em sofrimento psíquico que cometeram algum tipo de crime.
Para Maynar Vorga Leite, coordenadora do Núcleo do Sistema Prisional do CRPRS, quando um indivíduo tem a medida de segurança decretada por instauração de um incidente ocasionado por insanidade mental,ele passa a ser atribuído como uma pessoa incapaz de saber sobre si e sobre o mundo. “Dessa maneira, a responsabilidade penal se transmuta em periculosidade, que é uma atribuição para o resto da vida. Isso marca a pessoa e anula sua personalidade, diminui sua capacidade física ou mental e gera ainda mais sofrimento.”, afirmou Maynar ao explicar que, embora alguns métodos não causem dor física, são considerados, sim, tortura.
Rogério Giannini, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos e ex-presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), destacou, durante sua fala, que o Brasil tem um elo histórico com a tortura. “Na época da escravidão, a tortura era imposta como castigo/punição; depois, com a chegada da ditadura militar, ela passa a ser usada como método de interrogatório e, ainda hoje, é aplicada nos manicômios judiciários, como uma forma de segregação.”
“Se nos estamos falando de alguém que tem um agravo em saúde mental, essa pessoa tem que ser atendida em liberdade. Pela Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, ela não pode, pela sua condição, ser submetida a um tratamento compulsório. Por isso, essas prisões não têm nenhuma perspectiva de tratamento.”, salientou.
O promotor de justiça do estado de Goiás, mestre em direito e doutor em Psicologia, Haroldo Caetano, lembrou, ainda, que falar de tortura, no Brasil, é falar de violência de estado, de violência policial e de desigualdades racial e social. “Essa violência institucional com a qual a gente acabou se familiarizando a ponto de naturalizá-la, nas prisões, nos camburões e, principalmente, nos manicômios, também não é novidade nas periferias, nas favelas e nos morros, em particular junto à população negra: a polícia frequenta esses espaços e quando sobe o morro, costuma deixar para trás um rastro de sangue e de corpos. Corpos negros, aliás.”
“Então, podemos observar que a tortura está presente como um meio de funcionamento do aparato repressivo do estado brasileiro, por isso, a violência institucional se confunde com a nossa própria historia: 370 anos de escravidão e todo o nosso histórico autoritário, evidentemente, acabam favorecendo a ocorrência dessas práticas que vão se caracterizar como tortura. É importante destacar que o manicômio judiciário traz um registro do que há de pior nas instituições do estado, porque a vida dentro do manicômio se confunde com a própria tortura, que é praticada em um espaço absolutamente invisível.”, completou.
Segundo Lucio Costa, integrante da organização Desinstitute, no último plano anual do Governo Federal não há previsão de investimentos para Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) no país, de 2020 a 2023, mas sim, de uma forma massiva, para comunidades terapêuticas, que atuam com uma lógica contrária a Luta Antimanicomial e a Lei Federal 10216/2001, ao atender usuários de álcool e outras drogas. “A gente está falando de um investimento do governo em instituições que cumprem uma função social de segregação/exclusão e que não podem ser confundidas com um suporte de cuidado.“, afirma.
“Esses espaços também não são ambientes de cuidado, são espaços que impõem sofrimentos a pessoas que poderiam estar perfeitamente no nosso convívio em liberdade, sendo amparadas dentro da Rede de Ação Psicossocial (RAPS)”, explicou, ainda, Haroldo Caetano ao frisar o objetivo da criação da RAPS, lá em 2001, de abandonar a lógica de exclusão, realizar o acompanhamento clínico e a reinserção dos usuários na sociedade novamente.
Por fim, Maynar, representando o CRPRS, concluiu que “a tortura faz parte do funcionamento regular do manicômio judiciário, da prisão e das comunidades terapêuticas. E, em específico sobre a situação dos manicômios judiciários, não é uma coisa que possa ser evitada se a gente, por exemplo, melhorar o manicômio, colocar mais pessoas, fazer uma reforma na estrutura física e etc. Não há como humanizar o manicômio judiciário, a não ser tirando todas as pessoas de lá e fechando as portas.”
Confira vídeo com o webinário completo: