A palavra adoção é geralmente associada a algo do meio jurídico e que, formalmente, define a inscrição legal e natural do lugar paterno na constituição de um sujeito. Porém, no plano das práticas cotidianas este termo deve ser entendido como algo mais afetivo, referencial e simbólico, que caracteriza realmente a relação entre pais e filhos.
“Todo pai o é por adoção: todo pai verdadeiro é um pai que assume adotar seu filho, independente de ser ou não o pai biológico”. A afirmação da psicóloga Sonia Alberti, autora do livro “O adolescente e o outro”, nos estimula a refletir sobre o que, de fato, caracteriza a paternidade. É pela adoção de sentimentos e afetos que se materializa qualquer possibilidade de constituição, tanto de um lugar paterno quanto filial.
Percebemos que a crescente demanda por exames de DNA e solicitações de reconhecimento da paternidade via Justiça coloca em segundo plano aquilo que realmente caracteriza a paternidade, enquanto um vínculo afetivo e de referência, algo muito além da formalidade legal e jurídica.
Esse comportamento ocorre principalmente devido às transformações que vivemos nas últimas décadas com relação à concepção de família e à definição dos papéis e lugares que demarcam as ações cotidianas que envolvem a vida de pais, mães e filhos. O declínio do patriarcalismo, a irrupção do feminino e do poder materno, bem como a exacerbada valorização do lugar filial, demandam novas configurações de vínculos familiares antes considerados fixos, rígidos e previamente delimitados exclusivamente pelos imperativos biológicos e naturais.
Diante disso, temas como conjugabilidade, paternidade e maternidade passam atualmente por diversas redefinições tensionadas por laços sociais contemporâneos marcados pela incerteza, fluidez e instabilidade que angustiam as lógicas naturais e positivistas de outrora.
Pedro J. Pacheco
Psicólogo e conselheiro do CRPRS