O dia 18 de Maio – Dia Nacional da Luta Antimanicomial – é uma data crucial para legitimar mais de três décadas pelo direito das/os usuárias/os de saúde mental por atendimento digno, respeitoso, qualificado e inserido na sociedade.
Durante séculos, pessoas em sofrimento psíquico foram vítimas das mais diversas atrocidades dissimuladas em atendimento. No Brasil, a história recente do Hospital Colônia de Barbacena (MG), onde as estimativas apontam mais de 60 mil vítimas de maus-tratos, comprovam o descaso com as vidas de quem tem o estigma da doença mental.
No dia 7 de agosto de 1992 houve no Rio Grande do Sul a homologação da lei n° 9.716, da Reforma Psiquiátrica. No dia 6 de abril de 2001 foi homologada a lei n° 10216/2001, da Reforma Psiquiátrica, e estas legislações trouxeram grandes avanços na área da saúde mental, garantido a este sujeitos atendimento de qualidade, próximos da sua família e inseridos na comunidade e em uma grande rede de atendimento psicossocial.
Nestes 26 anos da lei estadual da reforma psiquiátrica (1992) e 17 anos da mesma lei em âmbito nacional (2001), houve grandes avanços no cuidado a pessoas em sofrimento psíquico. Aumentou o número de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e de Serviços Residenciais Terapêuticos, além de serem criados e ampliados os Consultórios de/na Rua e serem implantados um grande número de leitos psiquiátricos em hospitais gerais.
Qualificamos a internação psiquiátrica em hospitais gerais, para que ela seja pontual e objetiva e usada apenas em momentos de crise – sempre respeitando as necessidades do indivíduo. Ao mesmo tempo, tivemos uma diminuição significativa no número de leitos em hospitais psiquiátricos.
Estes aspectos foram incorporados à Política Nacional de Saúde Mental após pesquisas e estudos e através dos apontamentos trazidos pelo Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares – PNASH/Psiquiatria, que demonstram uma piora na qualidade de atendimento em internações de longo prazo e em grandes hospitais psiquiátricos.
Ou seja, o que a experiência prática e os estudos vêm demonstrando ao longo dos anos é que não há mais espaço para um modelo onde o hospital psiquiátrico seja o centro do cuidado. Precisamos de uma rede para dar conta de toda a complexidade da questão que envolve a saúde mental. Reduzi-la a hospitais psiquiátricos é resumir a complexidade da vida humana.
Em 23 de dezembro de 2011 houve a homologação da Portaria n° 3088 instituindo a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que significou um marco na atenção psicossocial por institucionalizar uma política intersetorial e interdisciplinar para o cuidado em saúde mental.
No final de 2017, porém, tivemos uma alteração significativa através da Portaria nº 3.588, de 21 de dezembro, que retirou os CAPS como serviço de porta de entrada do SUS, modificou o financiamento e passou a incluir o hospital psiquiátrico como um dos serviços da RAPS.
A Portaria torna necessário, para acessar o CAPS, que haja encaminhamento anterior, retirando, assim, seu caráter comunitário e de livre acesso a qualquer cidadão. Quanto ao financiamento, a normativa retira a diferenciação de financiamento de acordo com o número de leitos existentes no hospital psiquiátrico, contrariando a política preconizada pelas legislações vigentes de não existirem mais grandes hospitais psiquiátricos com grande concentração de pacientes, já apontados como ineficazes pelo PNASH/Psiquiatria.
A inclusão dos hospitais psiquiátricos na RAPS, além disso, representa um retrocesso em tudo que já vinha sendo produzido e construído, como também vai de encontro à indicação da Organização Mundial da Saúde, que preconiza, no “Relatório Mundial da Saúde: Saúde Mental – Nova Concepção, Nova Esperança”, de 2011, que os países devem substituir os hospitais psiquiátricos por serviços de cuidado na comunidade.
O Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS) considera que essas medidas não são eficazes para realmente consolidarmos um atendimento de qualidade para pessoas em sofrimento psíquico.
Em dezembro de 2017, na cidade de Bauru (SP), os usuários da saúde mental, familiares, trabalhadores de saúde e pesquisadores das mais diversas regiões do país reuniram-se no “Encontro de Bauru: 30 anos de luta por uma sociedade sem manicômios” para debater os rumos da Política Nacional de Saúde Mental. No encontro, reafirmaram a luta por uma sociedade sem manicômios, que respeite a diferença e que ofereça tratamento digno para a pessoa em sofrimento psíquico.
Segundo a Carta de Bauru, “a conjuntura presente, que intensifica o risco das conquistas duramente obtidas, exige um posicionamento que reafirme e radicalize nossos horizontes. É preciso sustentar que uma sociedade sem manicômios reconhece a legitimidade incondicional do outro como o fundamento da liberdade para todos e cada um; que a vida é o valor fundamental.”
Assim, neste 18 de Maio, vimos a público manifestar nossa preocupação quanto ao rumo que a Política Nacional de Saúde Mental vem tomando em diversas ações que contrariam a diretrizes da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial.
Acesse aqui o Manifesto de Bauru, de 1987.
- Confira o vídeo da campanha do CRPRS alusiva ao Dia da Luta Antimanicomial