* Vinicius Donola, repórter
O que se passa na cabeça de um ser humano que é capaz de tirar a vida do outro? Será que os atos de extrema violência e barbárie são cometidos por mentes que nascem doentias? Ou não? São as mentes que adoecem com os traumas da vida, com a violência em casa, na rua.
"Esse cérebro desse delinqüente, ele sofreu, ele mudou, ele é diferente? Vamos investigar", diz Mirna Portuguez, neuropsicóloga da PUCRS.
Essa é a proposta dos cientistas de duas grandes universidades do Rio Grande do Sul. Usar exames de alta tecnologia para mapear o cérebro de um grupo de jovens. Todos envolvidos em ações violentas.
"O objetivo é conhecer um pouco melhor como a estrutura cerebral pode, eventualmente, estar envolvida nesses processos que geram violência", explica Jaderson Costa, pesquisador também da PUCRS.
Mas a reação da comunidade científica foi imediata.
"Estamos tratando de pessoas. Adolescentes. Não são ratos, não são macacos. São pessoas”, acusa Ana Luiza de Souza Castro, psicóloga, do juizado de menores do Rio Grande do Sul.
Sociólogos, educadores, advogados também assinaram um manifesto. Afirmam que a pesquisa mascara o que chamam de "velhas práticas de extermínio e exclusão". Os idealizadores do estudo se defendem.
"É lamentável, porque nós não estamos fazendo nada além do que ampliar a informação sobre o assunto. A quem interessa proibir isso?", Osmar Terra, secretário de Saúde do Rio Grande do Sul.
Esta semana, o Fantástico conheceu o lugar onde vivem os jovens que podem ser alvo da pesquisa. A antiga Febem, na capital gaúcha, onde há 680 internos. Menores que foram detidos por roubo, tráfico e homicídio.
Os pesquisadores de Porto Alegre querem examinar 50 jovens, entre 15 e 21 anos, numa máquina que faz a ressonância magnética funcional. Ela mostra o cérebro em funcionamento. Com este exame, o grupo de cientistas espera descobrir o que há de diferente no cérebro de um jovem homicida.
Dentro da máquina, os jovens serão submetidos a seqüências de imagens e sons violentos. Usando a ressonância, os neurocientistas esperam comprovar uma suspeita. A de que os homicidas têm partes do cérebro atrofiadas, reduzidas de tamanho. A mais importante delas é o lobo-frontal. É ele que controla os nossos impulsos.
Na teoria, uma pessoa com atrofia do lobo-frontal tem mais dificuldade para conter seus instintos. Um traço que seria típico do comportamento assassino.
Aí, vem a crítica:
"Bom, se for identificado no cérebro do sujeito que ele tem lá uma tendência para um comportamento violento, como que nós vamos controlar isso? Nós vamos medicar essa pessoa? Nós vamos colocar ele dentro de algum lugar?", questiona Karen Eidelwein, do Conselho de Psicologia do Rio Grande do Sul.
Nós vamos usar essa informação para procurar alternativas de prevenção e até curativas, se possível, tratar esses indivíduos. Repor essas necessidades que eles têm no momento", diz Mirna Portuguez, neuropsicóloga da PUCRS.
Um outro passo da pesquisa também está gerando polêmica. Especialistas em genética querem colher amostras de sangue dos jovens que mataram, para exames de DNA.
A pergunta é: será que alguns de nós nasceram predispostos para a violência?
"Pessoas violentas, talvez, um bom número delas, apresentam variações nos genes que as tornaram frágeis. Elas sofrem mais, e, como resposta ao sofrimento, acabam desenvolvendo comportamentos mais violentos em função do que sofreram", é o que diz o geneticista da UFRGS, Renato Flores.
"A história sabe como tem acabado esse tipo de ciência. De alguma forma, me lembra os tipos criminosos de Cesare Lombroso", diz Ana Luiza.
Lombroso foi um médico italiano que viveu no século 19. Ele acreditava que determinadas medidas do corpo, como o tamanho da mandíbula e os contornos do crânio indicavam se uma pessoa nascia com propenção para a delinqüência.
Mais tarde, os nazistas se apropriaram da obra de Lombroso e mandaram milhares de pessoas para campos de concentração, com base nas medições cranianas.
"Não podemos utilizar alguns argumentos do passado sobre erros cometidos, ou de interpretação, ou de atuação, de terapêutica, etc. Misturar isso com essa pesquisa", rebate Jaderson.
A pesquisa só pode começar depois de a proposta ser analisada por uma comissão científica de professores universitários e por um comitê de ética.
O Juizado de Menores ainda não informou se vai ou não permitir o estudo com os jovens da antiga Febem. Só serão examinados voluntários, com autorização dos pais.
"Acho que tem implicações éticas que merecem uma discussão, que é o que está acontecendo", finaliza Ana Luiza.
Fonte: Globo.com