Os últimos dados disponíveis no Boletim Epidemiológico sobre HIV/Aids no RS, divulgados em abril deste ano, indicam uma redução progressiva na taxa de detecção de Aids no Estado: de 43,1 casos para cada grupo de 100 mil habitantes em 2012, a identificação baixou para 34,7 em 2015. Mesmo assim, o índice representa quase o dobro da média brasileira de 19,1 casos para cada 100 mil habitantes.
Em Porto Alegre e na região metropolitana, o quadro é ainda mais grave: a região que concentra as populações da Capital e do Vale do Gravataí teve 74 notificações para cada 100 mil habitantes em 2015 – índice muito superior a qualquer outra cidade brasileira. É mais do que o dobro da média estadual. É quase quatro vezes superior ao índice de detecção do país.
A Psicologia, no contexto do HIV/Aids, foi pioneira no trabalho de aconselhamento a populações vulnerabilizadas e, por isso, sensíveis à epidemia. Não somente através do aconselhamento individual e coletivo, mas também na elaboração e publicação de normas técnicas, guias e resoluções que constituem um conjunto de documentos capaz de orientar políticas públicas para o enfrentamento da epidemia e redução do estigma associado à soropositividade.
Entre esses documentos podemos citar o Código de Ética, que orienta as/os psicólogas/os a basearem seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além disso, o Código ressalva que as psicólogas/os deverão contribuir para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Também é possível mencionar o documento “Referências técnicas para a prática da/o psicóloga/o nos programas de DST e Aids”, de 2008, que orienta ética e profissionalmente as/os psicólogas/os envolvidas/os nas políticas públicas de saúde, e a “Nota Técnica em relação à testagem rápida para o diagnóstico de HIV”, de 2013, que reforçou o compromisso da categoria com o aconselhamento, mesmo que de forma breve.
Há inúmeras evidências apontando que o aconselhamento é uma tecnologia de prevenção que requer número menor de usuários e relativamente menos tempo para a constatação de benefícios do ponto de vista da saúde coletiva.[1] Tais benefícios incluem aconselhamento para facilitar o acesso à informação [2] e testagem, promoção do sexo mais seguro [3] e redução de danos [4], adesão à terapia antirretroviral [5] e a profilaxia pré- exposição sexual [6], dentre outros.
Causa perplexidade, portanto, diante de um cenário ainda bastante adverso em relação ao HIV/Aids no Rio Grande do Sul, que serviços e ONGs fundamentais no enfrentamento à epidemia e que foram matrizes das estratégias de aconselhamento, venham sendo paulatinamente desativadas no âmbito das políticas públicas do Estado e da Capital.
O fechamento do Centro de Testagem e Aconselhamento para HIV (CTA) da prefeitura de Porto Alegre, normatizado pelo Ministério da Saúde, é um retrocesso a contrariar as evidências apresentadas e à experiência acumulada no campo das políticas de saúde. Também a interdição e consequente despejo do Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (Gapa) em agosto, uma das ONGs pioneiras no acolhimento e educação por pares de populações afetadas pela epidemia de HIV/Aids, revela essa estratégia de desmonte dos grupos sociais que ajudaram a potencializar a resposta brasileira à epidemia.
O cerceamento ao debate público sobre sexualidade promovido por segmentos sociais conservadores, especialmente em relação à diversidade sexual e de gênero, também causa enorme preocupação, por impedir que se discutam práticas sexuais mais seguras e o reconhecimento das necessidades especificas e a garantia de direitos – com a consequente redução de danos no contexto das infecções sexualmente transmissíveis – de homens gays e outros homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, imigrantes, pessoas trans e travestis e usuários de drogas.
O Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul vem, por meio desta nota, alertar a sociedade para a perda da experiência acumulada e o prejuízo que constitui o desmantelamento das políticas e dos grupos que têm como foco os comportamentos, as identidades e as expressões da sexualidade, como temos assistido com preocupação nos últimos meses.
Neste Dia Mundial de Luta contra a Aids, o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul reforça o papel de educação em saúde do aconselhamento – seja no acesso à testagem ou tratamento precoce, seja na redução de danos – e reforça que a prática, comprovadamente eficaz no combate à epidemia, deve ser mantida como uma das principais estratégias de enfrentamento ao HIV, não apenas nas políticas públicas de saúde e assistência mas também na prática psicológica das organizações, das escolas e dos consultórios privados.
[1] Kuchenbecker, R. (2015). What is the benefit of the biomedical and behavioral interventions in preventing HIV transmission?. Revista Brasileira de Epidemiologia, 18, 26-42.
[2] Fisher, J. D., Fisher, W. A., Bryan, A. D., & Misovich, S. J. (2002). Information-motivation-behavioral skills model-based HIV risk behavior change intervention for inner-city high school youth. Health Psychology, 21(2), 177.
[3] Fonner, V. A., Denison, J., Kennedy, C. E., O’Reilly, K. & Sweat, M. (2012). Voluntary counseling and testing (VCT) for changing HIV-related risk behavior in development countries. The Cochrane Library.
[4] Parsons, J. T., Golub, S. A., Rosof, E. & Holder, C. (2007). Motivational interviewing and cognitive-behavorial intervention to improve HIV medication adherence among hazardous drinkers: a randomized controlled Trial. Journal of acquired immune deficiency syndromes (1999), 46(4), 443.
[5] Fisher, J. D., Fisher, W. A., Amico, K. R. & Harman, J. J. (2006). Na information-motivation-behavioral skillls modelo f adherence to antiretroviral therapy. Health Psychology, 25(4), 462.
[6] Underhill, K., Operario, D, Skeer, M., Mimiaga, M. & Mayer, K. (2010). Packaging PrEP to prevent HIV: na integrate framework to plan for pre-exposure prophylaxis implementation in clinical practice. Journal of acquired immune deficiency syndromes (1999), 55(1), 8.