Psicólogas/os que atuam no Sistema Prisional no Rio Grande do Sul estiveram reunidos na sede do CRPRS, em Porto Alegre, na quinta-feira, 22/06, e sexta-feira, 23/06, participando do “Encontro das/os Psicólogas/os do Sistema Prisional Gaúcho: raça, gênero e classe nas práticas profissionais”. A iniciativa do Núcleo do Sistema Prisional do CRPRS teve a parceria do Fórum dos Coletivos Carcerários do RS.
Na noite de abertura, a conselheira presidenta do CRPRS Míriam Cristiane Alves saudou as/os participantes reafirmando o atual compromisso dessa gestão na defesa intransigente dos direitos humanos. “O que pode a Psicologia no Sistema Prisional para além do script já estabelecidos pelo Sistema? De que modo as/os profissionais da Psicologia sentem e vivem o cárcere?”, foram alguns questionamentos levantados por Míriam defendendo uma atuação de transformações em prol da garantia dos direitos humanos de todas as pessoas.
Interseccionalidades no trabalho da Psicologia nas prisões
A primeira mesa do encontro “Interseccionalidades no trabalho da Psicologia nas prisões” discutiu como raça, gênero e classe impactam a vida das pessoas privadas de liberdade e foi mediada pela integrante do Núcleo do Sistema Prisional do CRPRS, Maynar Vorga. Que, em sua fala, destacou a importância de se ampliar o debate sobre as prisões com toda a sociedade. “É preciso discutir sobre essa e outras formas de segregação e os efeitos negativos do aprisionamento.” Esse debate torna-se ainda mais evidente agora, diante da publicação da Resolução nº 487 do Conselho Nacional de Justiça, que institui a Política Antimanicomial do Poder Judiciário
Cristina Mair Barros Rauter (CRP 05/1896), professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), relembrou o início de sua trajetória profissional no sistema prisional. “No final dos anos de 1970, a atuação da Psicologia no sistema prisional era voltada a dar um jeito em todas/os que perturbavam o sistema. Desde aquela época até hoje, temos que atuar criando estratégias que permitam promover a vida dentro do cárcere”.
Representando o Conselho Federal de Psicologia (CFP), a conselheira do CFP Alessandra Santos de Almeida (CRP 03/3642) reforçou a importância do conceito de interseccionalidade como um dispositivo heurístico. “O tripé raça, gênero e classe estrutura todas as nossas relações e nos leva a pensar em como a violência é estrutural e estruturante. Mesmo nos governos mais progressistas, a questão racial, por exemplo, nunca teve solução, esse é um debate que a sociedade coloca 'debaixo do tapete'. Por isso, precisamos problematizar o que fazemos para dar conta de algo que não foi feito para funcionar ? Como lidar com essa realidade feita para segregar e promover uma faxina e higienização social?”.
Para Adriana Eiko Matsumoto (CRP 06/667659), professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é preciso pensarmos na função social que exerce a prisão. A convidada apresentou dados de 2022 do Departamento Penitenciário Nacional que mostram que a população carcerária segue aumentando, em descompasso com o avanço de direitos sociais. “Passar pelo cárcere é extremamente letal. O Sistema Prisional brasileiro integra uma engrenagem de neutralização e de aniquilamento da potência política revolucionária dos insurgentes. Nossa atuação deve apoiar as pessoas que querem produzir transformações”, avalia. Para Adriana, o movimento da Luta Antimanicomial deve servir de inspiração dessa luta, por incluir a participação ativa de usuárias/os e familiares.
Lisiane de Castro, presidenta da Frente dos Coletivos Carcerários RS, compartilhou sua trajetória atuação em garantia de direitos em Bento Gonçalves. “Temos que cobrar do Estado aquilo que é seu dever e um deles é o de ressocialização. Vejo nos Direitos Humanos algo tão distante de minha realidade, pois quando mais precisei não tive esse apoio para brigar comigo. Essa lógica sempre deixa alguns humanos de fora”, considerou ressaltando o importante suporte da Psicologia junto às pessoas presas e seus familiares.
Ser e Fazer Psi: composições do cotidiano do trabalho da Psicologia no Sistema Prisional
Na sexta-feira, 23/06, pela manhã, foi feita uma roda de conversa para marcar o lançamento da coletânea “Ser e Fazer Psi: composições do cotidiano do trabalho da Psicologia no Sistema Prisional”, publicação organizada pelo Núcleo do Sistema Prisional do CRPRS que reúne relatos de experiências de trabalho de intervenção realizados no contexto prisional, considerando a complexidade do cárcere nos seus diversos aspectos e modalidades. Os textos contemplam dificuldades, impasses, desafios, potencialidades, estratégias e análises de contexto construídas ao longo do encontro da/o profissional com este campo.
As psicólogas Ivarlete Guimaraes de França (CRP 07/08042) e Magaly Andriotti Fernandes (CRP 07/03409) participaram da roda relatando suas experiências atuando como psicólogas no sistema prisional, percepções de potencialidades e desafios nos seus percursos e participações no Núcleo do Sistema Prisional. Na coletânea elas foram entrevistadas pelas/os organizadoras trajetórias por terem marcado o início da atuação de psicólogas/os no sistema prisional gaúcho e contribuído na construção e nas mudanças nesse trabalho.
A roda, mediada por Maynar Vorga, também contou com a participação de Miriane Schmitz (CRP 07/15456) e Pauline Schwarzbold (CRP 07/21361), integrantes da Comissão Avaliadora e Organizadora da publicação e com a participação de outras/os autoras/es.
Os desafios junto aos egressos do Sistema Prisional
A mesa “Os desafios junto aos egressos do Sistema Prisional”, mediada pelo conselheiro Leandro Inácio Walter, iniciou com a fala da integrante do Conselho da Comunidade, Liliane Cristina Terhorst (CRP 07/10580), que contou sua experiência trabalhando no sistema prisional e o papel dos Conselhos da Comunidade no atendimento de demandas dos egressos, ressaltando que, nenhum atendimento é igual e que cada um tem suas subjetividades. “Temos que estar atentos a não ter respostas prontas, as vivências não são as mesmas. Entender isso é fundamental para nosso trabalho crescer e encontrarmos, conjuntamente, meios de efetivar a liberdade”, concluiu Liliane. A organização dos Escritórios Sociais, como equipamento de políticas públicas para atender egressos e o papel dos Conselhos da Comunidade também foram citados por Liliane.
Na sequência, Moisés Zorzolli Cravo, que integra a Frente dos Coletivos Carcerários RS, falou sobre sua aproximação com o sistema prisional, a construção da Frente e os desafios enfrentados. Narrou sua experiência na implementação de um projeto ambiental dentro da penitenciária de Rio Grande em 2014. “Havia uma resistência muito grande, não queriam movimentação lá dentro. Tive que me aproximar de juízes, promotores para que projeto fosse acolhido.” Para ele, o contato com os familiares dos apenados foi essencial para o desenvolvimento do seu trabalho voluntário com os egressos.
Em seguida, a coordenadora do Observatório do Trauma Psicopolítico da USP/Unifesp, Adriana Eiko Matsumoto (CRP 06/66765) falou sobre a lógica da política atuarial aplicada a criminal, o efeito do sistema prisional na vida das pessoas periféricas e a sequencialidade do trauma, que costuma ocorrer com filhos e familiares de apenados, algo que não se trata apenas de um evento traumático, mas sim uma sequencialidade de fatos que acumulam violências e geram efeitos psicossociais. “A organização social coletiva ajuda na restauração psicológica e reparação psicossocial do egresso. Apenas com o contato com a realidade a gente consegue avançar. É preciso compreender o sistema prisional como um controle social da nossa potência de transformação, é um modelo de controle sistemático de determinados grupos considerados de risco, mediante estratégia de neutralização”, finalizou a psicóloga.
Rodrigo Sabiah encerrou da mesa contando sua experiência como egresso do sistema prisional reforçando o quanto o trabalho das profissionais de Psicologia foram importantes para seu desenvolvimento dentro e fora do cárcere. Egresso do sistema prisional há 11 anos, hoje é educador social e realiza palestras em escolas da rede pública de Porto Alegre, na Fundação de Atendimento Socioeducativo e nos presídios da cidade e região metropolitana. Integra, também, a ONG Reciclando Vidas, que promove e acolhe a vida de egressos nas comunidades, buscando uma vida igualitária para todas/os/es.
Gira Poética
Encerramento o Encontro, foi promovida a Gira Poética do CRPRS, atividade que vem sendo promovida pelo Conselho em todo o estado desde o final de 2022 com o objetivo de ocupar lugares de protagonismo negro e buscando acabar com espaços de segregação. Coordenada pelo vice-presidente do CRPRS, Ademiel de Sant’Anna Junior, a Gira Poética teve a participação da psicóloga Maíne Alves Prates (CRP 07/17003), do psicólogo Zeca Amaral (CRP 07/36215), da fisioterapeuta mestranda em Psicologia Social Úrsula Ingrid de Souza Faria e do rapper, poeta e escritor Guerreiro Poeta compartilhando seus poemas e textos.