Psicólogas/os de todo o estado se reuniram no sábado, 26/01, em Capão da Canoa para o evento “Psicologia, Laicidade e Religiosidade: precisamos conversar sobre isso”. O conselheiro Cleon Cerezer, atual presidente do CRPRS, fez uma fala de abertura apresentando o Sistema Conselhos de Psicologia. Destacou o trabalho das Comissões e Núcleos do CRPRS, as instâncias deliberativas – como o Congresso Nacional da Psicologia e os eventos que o antecedem – e os canais de comunicação entre categoria e Conselho. A coordenadora do Polo Litoral Norte, Morgana Zonta, convidou todas/os a participarem das reuniões do Polo. O evento foi considerado um encontro preparatório para o Congresso Regional da Psicologia.
Letícia Oliveira Alminhana, que é doutora em Saúde pela UFJF – MG e tem pós-doutorado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, ressaltou a importância de se discutir o tema da laicidade na Psicologia. “Oito em cada dez pessoas no mundo se identificam com algum grupo religioso. Nossa linguagem cultural está mesclada na religiosidade. Por isso, não podemos ignorar esses aspectos em nossas escutas, devemos estar atentos a isso em nossa prática como psicólogos”. Para Letícia é preciso falar de religiosidade com uma linguagem científica e ter uma escuta acolhedora, devendo a/o psicóloga/o estar atenta/o às suas próprias crenças. Conceitos trabalhados por Gordon Allport como religiosidade madura ou imatura, intrínseca ou extrínseca e como, a partir dessas definições, podemos relacionar religiosidade e espiritualidade à saúde mental foram pontos apresentados por Letícia durante o evento.
Outro conceito citado pela convidada é o de coping. O coping religioso ou espiritual pode ser positivo ou negativo, ou seja, como as pessoas usam sua religiosidade ou espiritualidade para lidar com dificuldades ou situações de estresse. “O coping positivo está relacionado à colaboração, já o negativo à culpa e à passividade. O psicólogo precisa acolher as questões relacionadas a isso trazidas pelo paciente e identificar se aquilo faz bem para sua saúde mental”, explicou.
“Terapeutas que visam integrar a religiosidade e espiritualidade na prática psicoterápica precisam ir além de suas perspectivas pessoais a respeito desses temas a fim de orientar sua prática sempre em relação ao referencial do paciente”, explicou Letícia citando o Art. 2º, alínea “b” do Código de Ética do Psicólogo.
Letícia é membro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP) e professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUCRS, onde coordena o Grupo de Pesquisa em Saúde Mental e Personalidade.
Karin H. Kepler Wondracek, mestre e doutora em Teologia pela Escola Superior de Teologia (EST), destacou atitudes do psicólogo frente à religiosidade, relação ainda marcada por preconceitos e incompreensões de ambos os lados. “O psicólogo não pode ser indiferente perante a religiosidade, demonstrando uma aparente neutralidade, ou sendo hostil com relação a esses temas, pois essa é uma dimensão importante no humano”. Karin apresentou definições e características das/os psicóloga/os a partir dos quais o indivíduo se relaciona com a religiosidade e os conteúdos religiosos. A negação literal, por exemplo, é quando o individuo assume que a linguagem religiosa deve ser entendida de forma literal, mas rejeita por princípio tudo o que é nela apresentado, dessacraliza todos os conteúdos religiosos. Nesse caso, as/os psicólogas/os reduzem a religião a um conjunto de afirmações irracionais e, como terapeutas e docentes, impedem seus pacientes e alunos de aprofundar a riqueza dessas experiências. Já a afirmação literal é quando o individuo afirma a existência literal do objeto religioso. Atitude dos fundamentalistas e dos ortodoxos, que apenas aceitam as contribuições das ciências quando essas estão em total acordo com suas convicções, e assim minimizam os condicionamentos históricos e sociológicos que influenciam as doutrinas. Os profissionais psicólogas/os agem a partir da religião e da visão de ser humano nela contida, o que redunda em generalizações idealizadas e regras de comportamento.
Na interpretação redutiva o individuo vê a religião como um fenômeno social ingênuo e ultrapassado e busca perspectivas científicas, consideradas competentes para interpretar, a partir delas, os conteúdos religiosos. As/Os psicólogas/os buscam identificar causas da experiência religiosa nos campos biológicos, psicológicos, históricos, ambientais. A interpretação restauradora é quando o individuo afirma a realidade da transcendência, não a reduz a termos puramente cognitivos. A/O profissional reconhece que não sabe tudo e denota maior maturidade psicológica, pois é crítico e flexível, implicando um bom conhecimento de si e do outro, bem como responsabilidade para a escuta e trabalho clínico.
O legado de Oskar Pfister foi citado como paradigma restaurador e a relação estabelecida entre Pfister e Freud proporciona uma reflexão entre religiosidade e psicanálise. No evento, Karin também citou a necessidade de se “curar” palavras como laicidade, religiosidade e espiritualidade, que vem ganhando outros significados em nossa sociedade. O conceito de laicidade deve sustentar a diversidade religiosa e garantir a liberdade de crença e não crença.
Karin também é membro do grupo de trabalho "Psicologia e Religião" da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP), exerce atividade clínica como psicanalista em Porto Alegre e é professora assistente na faculdade EST.
A atividade foi organizada pelo Polo Litoral Norte na Câmara de Vereadores de Capão da Canoa.