O Conselho Regional de Psicologia do RS (CRPRS) vem a público manifestar sua contrariedade e fazer os devidos esclarecimentos quanto ao tema veiculado no dia 30/09/09 no Programa Conversas Cruzadas do apresentador Lasier Martins na TVCOM, no qual, por ocasião da fuga de um apenado de um estabelecimento penal gaúcho de regime semi-aberto, alguns operadores do Sistema Judiciário, mais especificamente o representante da Promotoria Pública do RS, dentre outras acusações graves que fez aos psicólogos que trabalham no Sistema Prisional do RS, atribuiu a responsabilidade pela progressão de regime do referido apenado a um laudo psicológico, divulgando inclusive o nome da psicóloga que o realizou.
Diante destes fatos, cabe esclarecer que:
- A reforma da Lei de Execução Penal (LEP) 7.210/84, introduzida pela Lei 10.792/03, veio trazer nova redação aos artigos 6º e 112º da LEP, dispensando o parecer da Comissão Técnica de Classificação e o exame criminológico para fins de progressão de regime prisional, mantendo apenas a exigência de exames de individualização da pena, o que deve ser realizado no início da execução, com vistas a oferecer Tratamento Penal adequado, que considere e respeite as necessidades e demandas individuais dos sujeitos privados de liberdade.
- Contrariando a Lei 10.792/03, foi instituído em 2004 no Estado do Rio Grande do Sul o Regimento Disciplinar Penitenciário (RDP), que ainda mantém o Art.6º da LEP, violando os direitos dos apenados ao continuar exigindo os exames criminológicos, uma vez que basta o tempo de ao menos 1/6 de cumprimento da pena e o atestado de boa conduta carcerária, de responsabilidade do Diretor do estabelecimento prisional, para que o sujeito preso receba os seus direitos garantidos na lei.
- No ano de 2007, foram publicadas pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), em parceria com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), as Diretrizes para atuação e formação dos psicólogos do sistema prisional brasileiro, que orientam para que os psicólogos voltem suas atividades no contexto prisional para o desenvolvimento de programas de tratamento que promovam a inclusão social dos indivíduos privados de liberdade, em detrimento da produção de laudos e/ou pareceres psicológicos que, por violarem direitos e não fazerem mais parte das exigências legais, configuram-se como mais um instrumento de punição e segregação do sujeito preso;
- A psicóloga que teve o nome citado inadequadamente no Programa da TVCOM Conversas Cruzadas do dia 30/09 como responsável pela realização do laudo psicológico não deve ser responsabilizada pela concessão da progressão de regime carcerário do apenado em questão, visto que o mesmo fugiu do regime semi-aberto após ter sido liberado do regime fechado PELA JUSTIÇA e não pela psicóloga, conforme ficou parecendo nas discussões feitas durante o referido Programa.
Enquanto profissão, em qualquer situação, a Psicologia domina um conjunto de técnicas e de instrumentos para realizar sua prática de acordo com Princípios Fundamentais do seu Código de Ética, enfatizando que: "O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Por tudo isso, é importante ressaltar que a psicologia, embora disponha de instrumentos científicos para instrumentalizar sua prática, não pode prever por meio de avaliação psicológica comportamentos futuros, como é o caso da fuga de presos das prisões ou da reincidência criminal, pois as mudanças de comportamento humano são motivadas por inúmeros fatores, que não podem ser reduzidos apenas a fatores psicológicos e/ou individuais. A emissão do parecer tem como objetivo apontar uma ‘probabilidade’, o que por si só em nada poderia justificar a negação de direitos, visto serem hipóteses inverificáveis empiricamente, além de não serem submetidas ao contraditório, como preconiza o Código Penal Brasileiro (CPB).
No caso das considerações feitas no Programa Conversas Cruzadas, consideramos que, embora o Poder Judiciário infelizmente ainda se assessore de laudos e pareceres psicológicos para decidir sobre a concessão dos direitos legais dos apenados, a responsabilidade sobre tais decisões sempre será dos JUÍZES. Mesmo que ainda haja muitos equívocos a este respeito por parte de alguns setores, não é papel nem atribuição dos psicólogos que trabalham no sistema prisional decidir sobre situações jurídicas que envolvam a execução penal dos apenados, visto que PSICÓLOGO NÃO É JUIZ.
Além disso, no referido Programa foi insinuado publicamente o envolvimento de psicólogos(as) com apenados que transcendem as relações profissionais. Cabe salientar que o CRPRS repudia totalmente este tipo de alegação/insinuação/acusação realizada por parte do apresentador do Programa e dos representantes do Poder Judiciário, já que cabe exclusivamente a este Conselho receber, apurar e julgar supostas condutas profissionais anti-éticas dos psicólogos gaúchos. Desta forma, não concordamos que denúncias tão graves sejam feitas através de meios de comunicação de massa sem comprovação, maculando a imagem de todos psicólogos, sem se disponibilizar o devido encaminhamento legal para tais casos.
Por fim, se faz necessário esclarecer que a Psicologia através de seu compromisso social e ético, enquanto ciência integrada a outras áreas científicas, tem produzido conhecimentos teórico-tecnológicos, bem como reflexões críticas que alertam para os inúmeros prejuízos que o encarceramento produz nos sujeitos e na sociedade como um todo. Todos sabem que as prisões não oferecem condições mínimas e dignas de trabalho e convivência humana, nem tampouco possibilitam a recuperação das pessoas privadas de liberdade. Está na hora de analisarmos mais profundamente a desgraça do sistema prisional brasileiro ao invés de enfatizar tanto e somente as condutas criminosas de alguns. Esta é uma realidade que não podemos mais fugir e o CRPRS coloca-se a disposição da Justiça para juntos pensarmos/analisarmos/sugerirmos medidas substitutivas a este perverso sistema criminalizante.