O Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS) vem a público manifestar seu profundo repúdio em relação ao trágico caso do adolescente de 14 anos, negro, gay e bolsista que se suicidou após sofrer discriminação e bullying sistemáticos em uma escola particular em São Paulo.
É inadmissível que, em pleno século XXI, um jovem seja submetido a tais atos de violência e preconceito que, por fim, levaram a uma perda irreparável. A morte desse estudante é um reflexo cruel das falhas na implementação de políticas efetivas de inclusão e proteção no ambiente escolar, e demonstra a urgência de uma revisão e fortalecimento das medidas que garantam a segurança e o bem-estar de todas/os as/os estudantes, especialmente aquelas/es que fazem parte da população LGBTQIAPN+.
O CRPRS reitera que o racismo e a homofobia, bem como o bullying, são práticas que ferem os direitos humanos e a dignidade das pessoas. É imperativo que as instituições de ensino adotem medidas proativas para promover um ambiente acolhedor e seguro, onde a diversidade seja respeitada e celebrada. As/Os profissionais da Psicologia têm um papel crucial na promoção da saúde mental e na prevenção de comportamentos prejudiciais, e é essencial que as escolas contem com o apoio e a orientação de psicólogas/os preparadas/os para lidar com questões de inclusão e respeito.
Enquanto psicólogas/os, precisamos entender o suicídio como produção social, e não apenas individual. Em termos epidemiológicos, uma pesquisa publicada em 2023 no “The Lancet Regional Health – Americas” mostra a importância dos determinantes sociais para entender os índices de riscos e modos de prevenção do suicídio: gênero, educação, uso de álcool e outras drogas, emprego, entre outros fatores. A OMS também indica que 79% dos suicídios ocorrem em países de baixa e média renda. As razões para o fenômeno do suicídio são multifatoriais, destacando-se desigualdade social, falta de acesso a políticas públicas, presença de transtornos psiquiátricos, vulnerabilidades e uso de álcool e outras drogas. É importante salientar que as taxas de suicídio são mais altas em grupos populacionais específicos: indígenas, população LGBTQIAPN+, pessoas em situação de privação de liberdade, população negra e que vem ocorrendo um aumento expressivo entre os jovens de diferentes grupos populacionais. Então, pode-se dizer que o aumento das taxas de suicídio tem ligação direta com a desigualdade social, preconceitos, racismo, homofobia, ruptura de sistemas sociais de solidariedade, aumento da competitividade, com a angústia relativa ao modo de vida contemporâneo e falta de expectativas do futuro. O caso trágico do adolescente que tirou a própria vida em um contexto de desigualdade e discriminação racial e sexual convoca o debate sobre a produção social do suicídio, indicando que a prevenção de tragédias como essa passa pela construção de uma sociedade antirracista, inclusiva, democrática e afirmativa das diferenças e dos direitos humanos.
Exigimos que as autoridades competentes investiguem de forma rigorosa os eventos que levaram à morte do adolescente e que responsabilizem os responsáveis por qualquer negligência ou omissão. As instituições que são predominantemente brancas, ricas e compostas em sua maioria por pessoas heterossexuais precisam refletir sobre seu papel em uma sociedade tão diversa e desigual como a brasileira. Além disso, pedimos uma revisão das políticas escolares e a implementação de programas educacionais que desenvolvam uma compreensão profunda do contexto social, econômico e histórico do país. Isso inclui aprender sobre sua própria herança cultural e histórica, bem como conhecer as realidades dos grupos que foram historicamente marginalizados e excluídos. Dessa maneira, esses grupos podem encontrar seu papel na construção de uma sociedade mais diversa, democrática e justa, combatendo o preconceito e promovendo a empatia e a igualdade.
Neste momento de dor e luto, enviamos nossas condolências à família e amigos do jovem e nos solidarizamos com todas as vítimas de discriminação racial e sexual no ambiente escolar. O CRPRS está comprometido em trabalhar para que tragédias como esta não se repitam e em fomentar uma sociedade mais justa e inclusiva.
Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul