A conversa pública “Ditadura e Resistência na Serra Gaúcha” recolheu no último dia 19 de agosto em Caxias do Sul os depoimentos dos ex-seminaristas e militantes políticos Maeth Domingos Boff e José Carlos Monteiro, que foram vítimas da ditadura civil-militar que impôs um regime de exceção ao país entre 1964 e 1985. O evento, promovido pelo Projeto Clínicas do Testemunho, é coordenado desde 2016 pelo Instituto Appoa com apoio da Sigmund Freud Associação Psicanalítica (SIG) e do CRPRS.
O projeto tem realizado conversas descentralizadas resgatando testemunhos e fatos históricos do período da ditadura no interior do Rio Grande do Sul. “Por muito tempo a história ficou restrita à região metropolitana de Porto Alegre, onde houve mais registros de violência e prisões. O Clínicas, nesse sentido, é um resgate essencial para compreender aquele momento do país”, destaca a conselheira do CRPRS Fernanda Fioravanza,
Maethfoi militante da VAR-Palmares – mesmo grupo em que atuou a ex-presidente Dilma Rousseff – até 1971, quando se exilou no Chile. Preso em Santiago logo depois do golpe que derrubou Salvador Allende, foi interrogado e torturado por policiais brasileiros em mais uma prova de existência da Operação Condor. Graças à ação da Cruz Vermelha, conseguiu se exilar na Holanda. Maeth só voltou para o Brasil em 1996, quase 20 anos depois da anistia.
No seu depoimento, o militante relatou as estratégias de comunição dos grupos de oposição ao regime, que incluía diálogos entre duas ou três pessoas realizados em longas caminhadas por Porto Alegre como forma de burlar os agentes que monitoravam os militantes. Esses diálogos eram depois reunidos em uma narrativa centralizada.
“Há muita repetição na história. Estamos assistindo a esse avanço conservador atual praticamente igual a 1964 no Brasil e a 1973 no Chile, do qual também fui testemunha”, diz Maeth. Ele atribuiu esse fenômeno, em parte, à Lei de Anistia brasileira, que incluiu agentes do estado que praticaram sequestros, torturas e assassinatos e não foram punidos por isso.
Monteiro, por sua vez, relatou sua experiência como militante em diversos grupos que faziam oposição à ditadura no Rio Grande do Sul. Professor e líder comunitário em Caxias do Sul, o ex-seminarista e atualmente advogado também foi vereador pelo PSB entre 1992 e 1996.
O projeto Clínicas do Testemunho está possibilitando que o estado faça a reparação psíquica para as pessoas que sofreram os efeitos da ditadura civil-militar, incluindo descendentes, além de registrar a atuação dos militantes que lutaram por liberdade e democracia.