Na sexta-feira, 14/11, o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS) promoveu, em parceria com o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) Serra – Caxias do Sul, Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul e Sindicato dos Servidores Municipais de Caxias do Sul, o I Seminário "Meu Trabalho Está me Enlouquecendo!" – Intervenções em Saúde Mental do Trabalhador. O evento foi realizado no auditório do Sindserv em Caxias do Sul e abordou as consequências do processo produtivo implantado pela demanda da globalização e do consumo.
Para o CRPRS, o tema é de extrema importância já que, a cada dia, cresce no país o número de trabalhadores que adoecem devido às condições de trabalho. O Brasil apresenta índices de adoecimento psíquico que ocupam a terceira colocação entre as causas de concessão de benefício previdenciário, como auxílio doença e afastamento do trabalho, assim como aposentadoria por invalidez. Quando analisamos dados da região da Serra gaúcha a situação torna-se ainda mais preocupante devido aos altos índices de adoecimento mental, acidentes de trabalho, assédio moral, depressão e suicídio. A conselheira Tatiane Baggio destacou que a saúde do trabalhador vai além de questões individuais, está relacionada ao processo de produção e consumo. “Precisamos olhar a pessoa e a relação que estabelece com a sua atividade, considerando seu momento de vida, contexto social e cultural em que vive e, assim, pensar a centralidade do trabalho na subjetividade humana como via de produção em saúde. Acreditamos em ações coletivas que envolvam trabalhadores, gestores, prestadores de serviços em espaços democráticos, como os conselhos de direito e conferências para a construção de ações em defesa do trabalho digo e saudável. O trabalho deve colaborar para um sentido à vida e não adoecer”, ressaltou a conselheira do CRPRS, Tatiane Baggio.
O presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de Caxias do Sul, João Dorlan da Silva, lembrou da lei municipal de Caxias do Sul que coíbe o assédio moral. Para ele é importante investir em ações que ofereçam proteção aos servidores e melhores condições de trabalho. Jorge Rodrigues, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul, falou da necessidade de se dar atenção a trabalhadores que estão sofrendo, principalmente com as demissões. “Precisamos pensar em intervenções multidisciplinares que perpassem todos os setores para enfrentar essa realidade”. A mesa de abertura contou ainda com a presenta da secretária municipal da saúde de Caxias do Sul, Dilma Tessari, que destacou a importância do tema e da necessidade das pessoas sentirem-se bem em seus ambientes de trabalho. Para a secretária, os problemas relacionados a essa questão estão geralmente centrados no excesso de trabalho, no desequilíbrio entre esforço e recompensa, no relacionamento interpessoal e na dedicação excessiva.
Saúde Mental e Trabalho: qual a relação
O Seminário teve início com a mesa “Saúde Mental e Trabalho: qual a relação” que apresentou um panorama da realidade da saúde e do adoecimento psíquico dos trabalhadores.
A psicóloga Fabiane Konowaluk Santos Machado, mestre e doutora em serviço social, pesquisadora junto ao núcleo de estudos e pesquisas em saúde e trabalho - NEST/UFRGS, ressaltou em sua fala a importância do trabalho para a constituição de nossa própria identidade. “O trabalho é construtor e constituinte das relações sociais. Nossa sociabilidade vem das relações de trabalho”, afirmou. Todos trabalhadores devem estar atentos às condições precárias que, muitas vezes, são submetidos não só com relação à estrutura física do local de trabalho, mas das relações estabelecidas com colegas e chefias. Para ela, é importante ter claro que o trabalho em si não enlouquece ninguém, o que pode enlouquecer é a rotina marcada por metas e prazos. Diante dessa realidade, os próprios trabalhadores devem estar atentos. “O melhor vigilante das condições do ambiente de trabalho somos nós trabalhadores”.
A médica Adriana Skamvetsakis, pós-graduada em Medicina do Trabalho e em aperfeiçoamento em saúde do trabalhador, que atua no Cerest/Vales falou sobre a organização do trabalho e os principais fatores de adoecimento. Para Adriana, o significado do trabalho na vida das pessoas precisa ser pensado e entendido como algo muito complexo. Um dos aspectos dessa complexidade, diz respeito ao conceito de violência no mundo do trabalho, que passou a ser entendido não somente como toda forma de privação e infração de princípios fundamentais e direitos trabalhistas, mas como qualquer negligência em relação às condições de trabalho. “Devemos estar atentos ao sofrimento do trabalhador que muitas vezes não é valorizado, não reconhecido ou não relacionado ao trabalho. Há uma tendência à banalização desse tipo de violência”.
A assistente social Margareth Verza Cataluña, da Gerência Executiva do INSS de Caxias do Sul, apresentou um panorama atual dos benefícios pagos pela Previdência Social na região atendida pela Agência de Caxias do Sul que engloba 36 municípios. A região destaca-se pelo alto número de benefícios de incapacidade pagos pelo INSS, 12.296, enquanto todas as outras regiões do estado totalizam 18.297. A principal causa de afastamento do trabalho, pela classificação do CID 10, refere-se a doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. “Chama a atenção o fato da região de Caxias do Sul ter 13,56% dos casos de afastamento por transtornos mentais e comportamentais, enquanto nas outras regiões esse percentual é de 7,52%”, destacou Margareth. Dentro desses beneficiários afastados, 963 casos são do sexo feminino contra 704 do sexo masculino. “Analisando isso, podemos levantar a hipótese de que a organização social do trabalho está voltada para os homens e a sociedade não dá suporte adequado para a maternidade”.
Após as apresentações, os participantes do seminário tiraram dúvidas e debateram sobre como o trabalho influencia a saúde.
Intervenções e Desafios em Saúde Mental do Trabalhador.
Na parte da tarde, o Seminário tratou de “Intervenções e Desafios em Saúde Mental do Trabalhador”. As apresentações foram seguidas de roda de conversa, com a participação do público.
Vanius Corte, que atua como auditor fiscal do trabalho e gerente do Mistério do Trabalho e Emprego em Caxias do Sul, destacou que a visão de coisificação do trabalhador não ocorre somente para os trabalhadores da indústria. “A situação está generalizada, o que existe não é algo ocasional”. Para Vanius, uma mudança do enfrentamento dessa situação só será possível quando a saúde do trabalhador for de fato valorizada e entendida como prioritária.
O desembargador do Tribunal Superior do Trabalho do Rio Grande do Sul, Marçal Henri dos Santos Figueiredo, falou sobre a importância de ações que visem à prevenção devido à importância que o trabalho tem em nossas vidas. “O trabalho jamais será neutro com relação à saúde mental dos trabalhadores”.
A psicóloga do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Caxias do Sul, Cleusa Maria da Rocha Vieira, apresentou dados preocupantes. Segundo Cleusa, entre as pessoas que recebem atendimento somente 8% não tomam algum tipo de medicação contínua a mais de um ano. “Os trabalhadores, em sua grande maioria jovens na faixa de 24 a 53 anos, estão adoecidos, esgotados. É impossivel pensar na emancipação humana quando temos uma soceidade individualista e muito competitiva. Precisamos pensar nessa relação de capital e trabalho”.
A psicóloga Cláudia Magnus, que atua como psicóloga na Secretaria Estadual de Saúde, traçou um panorama contextualizando as mudanças de nossa sociedade nos últimos anos, especialmente com a globalização. “Vivemos em uma sociedade em que os pais são depressivos, as crianças são hiperativas e somos convocados a ser polivantes, ter hiperperformance o tempo todo e precisamos vencer sozinhos. Não há espaço para tristeza. Não estamos sabendo lidar com tudo isso que está acontecendo”. Para Cláudia é preciso buscar saídas coletivas, dar limites coletivamente, “para ter saúde em meu trabalho, é importante meu colega também estar bem. Criar espaços genuínos para discussão, ir nas causas e buscar soluções em conjunto com os colegas”.
A psicóloga também destacou o cuidado que devemos ter na utilização de conceitos como assédio e violência – definições ainda frágeis que muitas vezes se confundem – e com relação às condições de trabalho, que diz respeito aos aspectos físicos, e da organização do trabalho, que trata da saúde psíquica.
O I Seminário "Meu Trabalho Está me Enlouquecendo!" – Intervenções em Saúde Mental do Trabalhador reuniu cerca de 200 pessoas. A importância de se pensar coletivamente em ações preventivas, não banalizar a queixa do trabalhador, ocupar os espaços de rede para promoção e articulação das entidades que defendem a saúde do trabalhador foram algumas das sugestões levantadas durante o evento.
Subsede Serra segue debate
O Grupo de Trabalho da Psicologia do Trabalho da Subsede Serra do CRPRS, em Caxias do Sul, se reúne mensalmente para debater a saúde do trabalhador, ampliando as reflexões em relação à Psicologia do Trabalho, em suas práticas e intervenções. Acompanhe a agenda de reuniões pelo site www.crprs.org.br/comissoesegts e participe das reuniões.
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