Na noite de quarta-feira, 09/12, o Núcleo de Políticas Públicas da Subsede Serra do CRPRS, em parceria com Conselho dos Direitos da Mulher de Caxias do Sul (COMDIM), promoveu a segunda parte do “Seminário para Rede de Proteção à Mulher”, por meio de videochamada no Google Meet. Organizada pela Comissão Gestora da Subsede Serra do Conselho, a reunião tinha como objetivo pautar os passes e impasses no manejo do trabalho com a mulher em situação de violência.
Para a mediadora da atividade, Thaís Alves Ghenês (CRP 07/28748), coordenadora do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Caxias do Sul (COMDIM), é interessante perceber como é para a/o profissional deparar-se com um recorte social tão problemático, diante dos acolhimentos que faz - seja dentro das políticas públicas como em consultórios - às mulheres vítimas de, por exemplo, violência doméstica.
Uma das convidadas a participar do seminário, foi a conselheira estadual de Direitos Humanos do RS, Tereza Cristina Bruel (CRP 07/08931), ela explica que, devido à pandemia, o trabalho com a mulher em situação de violência ficou ainda mais difícil: houve uma diminuição de boletins de ocorrência e um aumento do número de feminicídio. “Sabemos que, na maioria das vezes, era no momento em que o agressor (marido, companheiro e etc.) saia para trabalhar que as mulheres conseguiam fugir, fazer um B.O e chegar até os Centros de Referências. Com o início da pandemia e, consequentemente, o isolamento social, esses homens não saiam mais de casa, o que dificultou a realização das denúncias, porque, isolada do convívio social, as mulheres acabam ficando reféns dos agressores e impedidas de pedir ajuda.”, apontou.
“Antes do coronavírus, a situação já estava ruim: o Atlas da Violência de 2019 revelou que a morte violenta intencional de mulheres no ambiente doméstico cresceu 17% em 5 anos. O que é gravíssimo.”, indaga Tereza ao lembrar que a situação, este ano, só piorou. No Rio Grande do Sul, houve um crescimento de 66,7% de feminicidios em relação ao mês de abril de 2019 e, no acumulado de janeiro a abril deste ano, o indicador de violência contra as mulheres apresentou um crescimento de 71,4%, comparado ao ano passado.
Trabalhadora, ainda, do Centro de Referência da Mulher em Situação de Violência - Patrícia Esber, em Canoas, Tereza conta que, atualmente, tem visto de perto essa situação. “Nós estamos fazendo atendimentos via agendamento e por telefone. E, quando realizamos os monitoramentos por ligação, temos que ter muito cuidado, porque os agressores estão em casa. Então, as vítimas, ao atender o telefone, precisam ter uma certa discrição para que eles não percebam que ali há uma intervenção de uma profissional dessa rede.”, relata a conselheira.
O trabalho de acolhimento dessas mulheres tem que ser desempenhado em conjunto com toda a rede do município, desde delegacias da mulher, casas de abrigo e até hospitais aptos para realizar procedimentos abortivos legais, em casos de estupros. “Nós, de maneira geral, estamos sempre conversando com a rede - como, por exemplo, com a Patrulha Maria da Penha, que tem como objetivo fiscalizar o cumprimento de medidas protetivas - para poder proporcionar à mulher um atendimento seguro na hora de romper com situações violentas. Porque a gente sabe que quando uma mulher denuncia, ela passa a correr maior risco de vida.”, explicou.
Hoje, o Centro de Referência, em Canoas, permanece atendendo cerca de 3 mil mulheres, vítimas de violência doméstica, abuso sexual e outras violações. “É importante dizer que, em julho, foi assinada a Lei 14022/20 que dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. Com essa lei, as mulheres conseguem fazer denúncias e solicitar medidas protetivas de urgência através de canais virtuais, sem precisar sair de casa, o que, antes, não era possível.”, comentou Tereza.
Thaís lembra, ainda, que em julho, também, o Conselho Federal de Psicologia lançou a Resolução n° 08/2020, que estabelece normas de exercício profissional da Psicologia em relação às violências de gênero. De acordo com o Art. 3 da resolução “a psicóloga e o psicólogo deverão acolher e cooperar com ações protetivas à mulher, seja ela cisgênero, transexual ou travesti, e à pessoa com expressões não binárias de gênero, dentre outras, considerados os aspectos de raça, etnia, orientação sexual, deficiência, quando elas tiverem direitos violados”.
A psicanálise no trabalho de acolhimento
Para a segunda convidada da reunião, Isabel Massena Pimental Bissi (CRP 07/04807), membro da TOPOS – Clínica de Psiquiatria e Psicanálise, em Caxias, que tem parceria com o Centro de Referência da Mulher do município -, o enfrentamento da violência está sendo frequentemente estudado na contemporaneidade, em todas as áreas, como na sociologia, antropologia e, inclusive, na psicanalise. “O nosso estudo na TOPOS é através da Psicanalise Freud Lacaniana, ou seja, a psicanalise que estuda Freud e Lacan. Com esse trabalho, podemos perceber com mais evidência alguns impasses nos atendimentos à mulheres vítimas de violência doméstica, por exemplo.”
Isabel explica que há uma desistência com muita facilidade do tratamento terapêutico. “Isso nos leva a pensar os motivos do por que boa parte das mulheres acolhidas não adere o processo psicológico de forma contínua: estamos lidando com histórias e lembranças extremamente traumáticas, que, quando acessadas, durante as sessões, são muito dolorosas. Para se ter uma noção, eu já tive pacientes que foram queimadas e esfaqueadas por seus companheiros.”
Mesmo que seja um processo difícil, Isabel salienta que o trabalho da/o psicanalista, nesses casos, é fundamental, porque visa mexer com essa situação em que a mulher está presa, ressignificando muitas de suas crenças e proporcionando a ela novas perspectivas de vida.