No segundo dia da Assembleia de Políticas, da Administração e das Finanças (APAF), dia 12/12, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e os Conselhos Regionais de Psicologia presentes à reunião divulgaram documento em que manifestam “repúdio e indignação” pela indicação feita pelo Ministro da Saúde, Marcelo Castro, do médico psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho para o cargo de Coordenador Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde.
“É inaceitável para esse coletivo calar-se frente ao risco de mais este enorme retrocesso e por isso nos colocamos ao lado de todos os demais movimentos e manifestos de repúdio a esta afronta – uma ameaça de desmonte do SUS e de aniquilamento da reforma psiquiátrica”, aponta o texto.
Ao lado de representantes da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES), Conselho Regional de Psicologia da 21ª Região (CRP-21 – Piauí/PI), Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS-UERJ), Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA) e Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA), o CFP participou de audiência, nesta quinta-feira, 10/12, com o ministro Marcelo de Castro, para demonstrar sua preocupação com a possibilidade de nomeação de Filho.
Leia abaixo a moção de repúdio na íntegra.
O Sistema Conselhos de Psicologia, reunido em Brasília na Assembleia de Políticas, da Administração e das Finanças – APAF, no dia 12 de dezembro de 2015, vem manifestar o seu veemente repúdio e indignação pela indicação feita pelo Ministro da Saúde, Marcelo Castro, do médico psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho para o cargo de Coordenador Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, e o que isso representa no panorama da saúde mental brasileira.
A simples indicação deste nome já representa um retrocesso, indo na contramão do consenso internacional sobre o caráter iatrogênico dos hospitais psiquiátricos. A Organização Panamericana de saúde, desde a Declaração de Caracas, em 1990, propõe que a reestruturação da atenção em saúde mental implique na revisão crítica do papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico na prestação de serviços. A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza a progressiva substituição dos manicômios por uma gama de serviços territorializados e articulados em rede.
No Brasil, temos um longo histórico de lutas e conquistas pela Reforma Psiquiátrica que culminaram com as asseguradas pela lei 10.216/2001, pelas portarias subsequentes do Ministério da Saúde e com as deliberações das Conferências de Saúde e Saúde Mental, que vêm determinando a progressiva desinstitucionalização e desospitalização das pessoas em sofrimento psíquico, substituindo os manicômios por uma rede de serviços comunitários de saúde mental, tais como: Centros de Atenção Psicossocial, Serviços Residenciais Terapêuticos, Pensões Protegidas, Cooperativas de Trabalho, Oficinas de Geração de Renda, Centros de Convivência e ações de saúde mental na Atenção Básica entre outros, além da criação de leitos de Saúde Mental em Hospitais Gerais. Todos estes dispositivos seguem a lógica da descentralização e da territorialização do atendimento em saúde, previstos na Lei Federal que institui o SUS (lei 8080/1990).
Contudo, contradizendo todos os nossos avanços de décadas, reconhecidos internacionalmente como modelo de humanização do cuidado, o escolhido pelo ministro representa interesses de uma política de privatização da saúde, de violação aos princípios fundamentais do SUS, da lei da Reforma Psiquiátrica e dos Direitos Humanos. O indicado foi diretor do maior manicômio privado da América Latina, a Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi, que foi fechado por ordem judicial em 2012 após anos de denúncias sobre violações dos Direitos Humanos, diante das condições subumanas a que os pacientes eram submetidos. Além disso, trata-se de um opositor histórico ao movimento antimanicomial, crítico ferrenho da Lei 10.216/2001 desde o início, que desqualifica os saberes e práticas da Psicologia e de outras ciências no campo da saúde mental ao taxar de meramente ideológico o fechamento dos manicômios.
Ser contrário à política pública brasileira de atenção à saúde mental, fonte de inspiração para outros países, significa desconsiderar a importância do trabalho em rede, intersetorial e multidisciplinar que hoje tanto valorizamos na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Apenas nos aproximadamente 2.300 CAPS trabalham mais de 30 mil profissionais da saúde mental, entre eles milhares de Psicólogos, atendendo milhões de pessoas.
A Psicologia sempre exerceu protagonismo na luta antimanicomial e em defesa dos Direitos Humanos, assumindo o compromisso social e ético de produzir saberes e boas práticas com efeitos no cotidiano dos cidadãos e nas políticas públicas de saúde.
Pelos motivos elencados, é inaceitável para esse coletivo calar-se frente ao risco de mais este enorme retrocesso e por isso nos colocamos ao lado de todos os demais movimentos e manifestos de repúdio a esta afronta – uma ameaça de desmonte do SUS e de aniquilamento da reforma psiquiátrica.
Nem um passo atrás! Manicômio nunca mais!