A Subsede Centro-Oeste promoveu nessa semana, em Santa Maria, o evento “Saúde Mental e suas (in)visibilidades”. A atividade realizada, alusiva ao Dia da Luta Antimanicomial, reuniu cerca de 150 profissionais e estudantes nos dias 26 e 27 para debater questões relacionadas à saúde mental e à necessidade de manter ativo o movimento que luta pelas conquistas da Reforma Psiquiátrica.
A abertura do evento, na manhã de 26/05, contou com a apresentação do grupo “Direito em Canto & Verso” da Faculdade de Direito da UFSM com a performance poético-musical “Direito à Memória e à Verdade”. O projeto foi idealizado pela professora Maria Beatriz Oliveira da Silva.
“O evento foi pensando pela necessidade de se reacender a chama do movimento da luta antimanicomial, de retomar com mais afinco essa questão, promovendo ações de desinstitucionalização a cada dia em nossa prática”, declarou a conselheira do CRPRS, referência da Subsede Centro-Oeste, Bruna Osório.
Mídia e Violência de Estado
No dia 26/05, a mesa “Mídia e Violência de Estado” promoveu um debate sobre a questão da violência e suas diferentes formas de manifestação em nossa sociedade atualmente.
Ana Carolina Cademartori, mestre em Psicologia e membro do Grupo de Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) “Saúde, Minorias Sociais e Comunicação”, destacou a complexidade da temática. “O que é violência para algumas pessoas pode não ser para outras. Convivemos lado a lado com múltiplas formas de violência e percebemos uma supervalorização pela mídia de algumas formas de violência. Muitas práticas utilizadas em períodos de ditadura, por exemplo, ainda se fazem presentes. A figura do inimigo, antes o subversivo, é hoje representada pelos jovens pobres, suspeitos que muitas vezes são eliminados em nome da segurança da população”, afirmou Ana Carolina. A psicóloga também destacou o mecanismo ainda em prática nos dias de hoje: os autos de resistência. “Com essa prática, a polícia se autoriza a matar em nome da lei. O que precisamos ter em mente é que a polícia ou o Estado não estão agindo sozinhos, estão com o apoio do nosso silêncio”.
Arnaldo Chagas, psicólogo, mestre em Psicologia Social e doutor em Comunicação, apresentou conceitos de violência, democracia e mídia, mostrando diferentes definições desses termos ao longo de nossa história.
Institucionalizações: de que Reforma falamos?
No debate sobre institucionalizações, a bacharel em Serviço Social, Michele Mendonça, apresentou histórias de usuários que passam pelas instituições de acolhimento social e que, muitas vezes, ficam à margem dos serviços de saúde mental, não sendo acessados pela Rede de Atenção Psicossocial. “É difícil a Rede dar conta desse jovem que muitas vezes nunca foi tratado como sujeito de fato”. Para ela, muitas veze os abrigos são vistos como locais para recuperar o sujeito e não como uma medida de proteção. “Não temos autonomia para ‘consertar’ esses jovens nos abrigos”.
Carlise Cadore, mestre em Psicologia resgatou o histórico da Reforma Psiquiátrica, apresentando práticas de cuidado em saúde mental que dão certo, como a oficina “Desatando nós, fazendo laços”, promovida pelo Grupo Hospitalar Conceição. “A iniciativa é marcada pelo trabalho interdisciplinar que une saberes e profissionais de diferentes áreas”, destacou em sua fala.
A terapeuta ocupacional Rita de Cássia Barcellos Bittencourt, doutora em Educação, fez um resgate de invisibilidades constituídas ao longo da história, mostrando como a sociedade busca sempre ‘se livrar’ dos invisíveis. “Parcelas da sociedade que não são vistas como natural, dominantes, tendem a ser escondidas ou eliminadas. Assim foram criados os manicômios, com a pretensa ideia de proteção à população”. Para ela, é importante que a saúde mental seja vista como um direito de todos e que permita o acesso aos serviços no próprio território e não em locais isolados. “Os CAPS não podem ser novos manicômios, não podem ser pensados sobre a lógica de institucionalização. Devem ser um espaço libertário e para isso precisamos estimular que o usuário ganhe o território”.
Que rede de saúde mental é possível?
Na mesa “Que rede de saúde mental é possível?”, a enfermeira Kamilla Cruz falou sobre ações de promoção de saúde que realiza na atenção básica, como escuta, acolhimento, valorização da demanda e o planejamento familiar para autonomia da vida, por exemplo. “A Saúde Mental faz parte da Saúde como um todo e não deve ser pensada separadamente. Para isso, é importante promover oficinas terapêuticas dentro do território e articular a rede com apoio matricial. O matriciamento é importante para pensar o que e como fazer com cada pessoa”, destacou.
A psicóloga da atenção secundária Lige Mara Bortolotti falou sobre redes de atenção em saúde em Santa Maria e como os serviços se relacionam. A importância da qualificação das equipes e a pactuação de compromissos, responsabilidades e cooperação entre diferentes atores é necessária para a fluidez da Rede. “Somos responsáveis por um sujeito que é integral e não parte dele apenas, por isso é importante que a Rede de Atenção Psicossocial flua e seja transversal, que profissionais de diferentes áreas possam trabalhar de forma integrada”.
A enfermeira do Pronto Socorro Psiquiátrico do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), Dolores Reginato Chagas, apresentou a organização da Rede de Atenção Integral em Saúde Mental. “É importante que o leito em unidade psquiátrica seja visto como algo temporário e não como algo a longo prazo. A permanência do convívio social ou familiar é fundamental para a construção de um plano de cuidado para o usuário”.
A Saúde Mental nas universidades
Na terça-feira, 27/05, foi feita a apresentação do Projeto "Formação em Psicologia e Políticas Públicas: uma aproximação do CRPRS ao meio acadêmico", desenvolvido pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas – Crepop e pela Comissão de Formação do CRPRS. O assessor técnico do Crepop, André Sales, e o estagiário do Crepop, Edson Knevitz da Silva, falaram sobre os objetivos do projeto que busca fortalecer o diálogo entre CRP e o meio acadêmico. De acordo com pesquisas do Crepop, a formação em Psicologia é apontada como uma das grandes fragilidades ainda impostas para atuação dos psicólogos nas políticas públicas.
Logo após essa apresentação, o debate reuniu os coordenadores de curso de Psicologia da UFSM, Adriane Roso; da FISMA, Bárbara Maria Barbosa Silva e da UNIFRA, Felipe Oliveira. Os coordenadores apresentaram como os cursos estão estruturados atualmente, estratégias de aproximação da Formação com o mercado de trabalho, como o tema saúde mental é abordado de forma transversalizada nos cursos e como está a saúde mental nas universidades, destacando as relações tanto entre colegas como nas relações com a sociedade.
Os sentidos da Reforma Psiquiátrica
À tarde usuários dos serviços de saúde mental de Santa Maria e Alegrete promoveram uma Roda de Conversa relatando suas experiências e a importância de serem protagonistas de suas próprias vidas. Sandra Mafaldo e Marina Castilhos, do Colegiado Coordenador da IV Parada do Orgulho Louco de Alegrete, Denizar Oliveira, presidente da Associação de Familiares Amigos e Bipolares (AFAB) e Daiane Genro Ribeiro e Ronaldo Aguiar, integrantes do programa “De perto ninguém é normal” na Rádio Universidade/CAPS Prado Veppo, falaram sobre as relações com os serviços da Rede e como trabalham essa produção de protagonismo, inclusão social e autonomia.
Logo após, Judete Ferrari, psicóloga, coordenadora da "4ª Parada do Orgulho Louco: Sou o que sou, porque nós somos!" de Alegrete, fez um resgate das três edições do evento, que é realizado anualmente em Alegrete e vem ganhando força a cada ano. Neste ano, a parada do Orgulho Louco acontece dias 05 e 06 de junho. “A ideia de organizar esse evento surgiu como estratégia para dialogar o tema da loucura com a sociedade. É importante dar visibilidade a essa questão para que as conquistas da Reforma Psiquiátrica não se percam”, explicou Judete.
A médica psiquiatra Martha Helena Oliveira Noal falou sobre a Associação de Familiares, Amigos e Bipolares de Santa Maria (AFAB). A organização surgiu em 1997 e está vinculada ao Ambulatório de Transtornos do Humor do Hospital Universitário de Santa Maria. Tem como objetivo geral oferecer aos portadores de transtornos do humor uma abordagem terapêutica ampliada, baseada no conceito de integralidade, que contemple, muito além do tratamento clínico, os aspectos psicológicos, educacionais, familiares e sociais do problema.
Encerrando o evento, a técnica em Saúde Mental Angela Meincke Melo apresentou a experiência do projeto com a Rádio Universitária de Santa Maria, em que usuários dos serviços de saúde mental apresentam o programa de rádio “De perto ninguém é normal”. “Precisamos entender que o CAPS não é o único lugar para se trabalhar com usuário, temos que pensar em outros lugares possíveis, levar o usuário para fora do serviço”, falou Angela.