Reportagem de Fernanda Crancio, publicada no Jornal do Comércio, em 03/04/2020.
O isolamento social forçado pela disseminação da covid-19 trouxe mudanças drásticas à rotina de todos nós e, para além do vírus, fez surgir uma pandemia também de estresse, angústia e medo. Com isso, a demanda por cuidados com a saúde mental nunca esteve tão alta, fazendo com que profissionais da área tenham de adaptar os atendimentos às modalidades online e telefônica, quebrando a prerrogativa do encontro, tão valorizado nas consultas e sessões de terapia.
Psiquiatra do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) e diretor tesoureiro da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS), Lucas Spanemberg comenta que a conduta é nova também para os profissionais, uma vez que os atendimentos remotos não eram reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina até o surgimento da pandemia e foram regulamentados ao longo do mês de março, de acordo com a "calamidade momentânea". "Os desafios são para profissionais e pacientes, estamos lidando com um fenômeno novo e aprendendo de acordo com a dinâmica dos acontecimentos. A ferramenta digital compromete o cenário do encontro entre terapeuta e paciente e traz situações inusitadas, como a questão da privacidade em casa. Estramos trabalhando com limitações neste primeiro momento. A maioria absoluta dos psiquiatras está migrando para isso, enquanto perdurar o isolamento", revela", relata.
Conselheira tesoureira do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (Crprs), a psicóloga Fabiane Konowaluk Santos Machado reforça que, apesar de adotado por alguns profissionais antes da pandemia, o atendimento online é novidade também para a maioria dos colegas. "Estamos lidando com uma situação nova, é uma grande mudança para todos nós. Tem aumentando significativamente o número de profissionais que buscam adotar essa modalidade e a procura dos pacientes, sensibilizados e impactados com os acontecimentos e as mudanças na vida", destaca Fabiane.
Ela revela que o Crprs conta com plataforma própria para uso de seus profissionais associados, mediante cadastro, e que o serviço chegou a registrar, em um único dia, mais de 30 mil acessos. A ferramenta disponível para os psicólogos também traz segurança aos profissionais e pacientes e garante que todo o procedimento seja coberto pelo código de ética do Conselho. O portal já funcionava antes do surgimento da covid-19, mas poucos profissionais adotavam as consultas online. "Nossa plataforma chegou a entrar em colapso, não era esperada tanta gente acessando. Ela é importante não apenas para oferecer uma forma de atendimento aos pacientes nesse momento, mas porque orienta e fiscaliza esse atendimento", revela.
A psicóloga comenta que, apesar de necessário e importantíssimo diante do resguardo social das pessoas nesse período, o trabalho remoto muda o ritmo das atividades clínicas e pode afetar o rendimento do trabalho. Ela destaca ainda o acesso à internet também como um limitador e reforça que os pacientes idosos são mais resistentes a esse tipo de atendimento e, geralmente, têm mais dificuldade em utilizar as novas tecnologias. "O atendimento online é diferente de estar em um espaço para se expressar livremente. Em casa, há o temor de que alguém nos escute, a falta de um local adequado e até a limitação da conexão da internet. Para profissionais como psicólogos o atendimento online não é só uma substituição do trabalho presencial, é uma modalidade a mais", comenta.
Covid-19 aumenta demanda por cuidados com a saúde mental
A pandemia da covid-19 aumentou a demanda dos serviços e atendimentos psicológicos e psiquiátricos e seus reflexos trarão graves implicações à saúde mental da população, temerosa e insegura diante da doença e desconfortável com o isolamento forçado.
A proliferação do coronavírus e a necessidade de resguardo em casa para evitar contaminação acarreta, além de muita insegurança e ansiedade, readaptação das rotinas familiares ao fechamento de escolas, academias, do comércio, de empresas e do impedimento de transitar livremente pelas ruas. Os impactos dessas ações sobre a saúde mental, agravadas pelas consequências econômicas futuras, ainda são uma incógnita, mas já refletem diretamente no aumento da demanda dos serviços e atendimentos.
Em um período difícil de isolamento social há problemas de convivência familiar- ou falta dela, conflitos pela dificuldade em lidar com a falta de autonomia, sobrecarga de trabalho remoto e doméstico e até de gerenciamento do tempo que se dedica aos filhos, amigos e tarefas. Dessa forma, profissionais da saúde têm apontado que as consequências desse período de quarentena e de temor com a doença podem levar ao adoecimento e acarretar danos psicológicos e emocionais cujos reflexos trarão graves implicações à saúde mental da população como um todo.
De acordo com o psiquiatra do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) e diretor tesoureiro da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS), Lucas Spanemberg, editorial recente escrito por colegas gaúchos para a Revista Brasileira de Psiquiatria sobre a relação do medo da covid-19 e a saúde mental destaca que esse temor aumenta os níveis de ansiedade e estresse em indivíduos saudáveis e intensifica os sintomas nas pessoas que apresentam algum tipo de transtorno. “Somos seres sociais e o que ocorre atualmente vai contra o que vivemos, processar isso causa ansiedade e até depressão”, aponta o médico.Diante do desconhecido e das incertezas as reações emocionais e o estresse se potencializam e podem desencadear transtornos depressivos e de ansiedade e agravar sintomas, o que reforça a importância do desenvolvimento de políticas e serviços de atendimento à saúde mental. “Estamos diante de uma situação sem precedentes e isso traz grandes implicações à saúde mental e é muito impactante, inclusive para os terapeutas, que também têm de lidar com essa situação de crise e calamidade”, ressalta Spanemberg.
Como manter a saúde mental na quarentena
Controlar a ansiedade para evitar desgaste emocional;
Manter ou desenvolver uma certa rotina (dormir, acordar e se alimentar nas mesmas horas de sempre);
Desconectar-se da internet e da mídia em alguns momentos do dia;
Buscar notícias de fontes jornalísticas confiáveis (evitar fakenews);
Evitar conflitos em casa;
Envolver-se com atividades que demandem comprometimento (um curso online, aulas de ginástica, apender um instrumento);
Curtir a casa e as coisas que tem;
Conversar por telefone e online com amigos e parentes;
Priorizar o contato virtual e telefônico aos idosos;
Procurar movimentar o corpo durante o dia (serviços domésticos, descer escadas do prédio, caminhar no pátio de casa ou praticar exercícios online)
Fonte: Jornal do Comércio