O massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), segunda rebelião mais letal da história do sistema prisional brasileiro, que resultou na morte de 56 detentos nesta segunda-feira, 02/01, prenuncia que 2017 demandará lutas ainda mais amplas e articuladas no que se refere à garantia de direitos em nosso país.
No início de 2016, o relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura sobre a situação de quatro unidades prisionais no Amazonas (entre elas, o Compaj, em Manaus) já alertava para a possibilidade de eclosão de rebeliões no local, ocasionadas tanto pela incompreensão e inação de seus gestores ante a realidade das disputas entre as facções envolvidas quanto pelas condições às quais são submetidas as pessoas privadas de liberdade naquela unidade.
O presídio – administrado por uma empresa privada desde 2014 – tem capacidade para abrigar 454 detentos, mas encerrava 1.229 pessoas no momento do conflito, três vezes mais que sua capacidade original. Durante a visita da comissão, havia 153 funcionários trabalhando no local, quando o contrato firmado exigia 250.
Se o sistema prisional, per se, cumpre o papel central de isolar e neutralizar no lugar de integrar, em condições insalubres como a de superpopulação as consequências físicas e psicológicas podem ser ainda mais devastadoras, assim como a distância do presídio em relação à cidade pode comprometer a manutenção de laços afetivos durante a privação de liberdade. Ainda, a ausência de profissionais capacitados e comprometidos, como psicólogas e psicólogos, também contribui para a despotencialização subjetiva e a desagregação.
Os atores e o script da tragédia seguem os mesmos: jovens, do sexo masculino, negros ou com traços indígenas, oriundos de regiões periféricas das cidades e anteriormente vulnerabilizados econômica e socialmente são encarcerados, revelando o esgotamento do modelo punitivista de um Estado que diferencia (e dicotomiza) humanos de não humanos e que opera hegemonicamente pela lógica de “guerra às drogas”.
A mídia hegemônica, nesse processo, em vez de atuar como fiscalizadora do Estado, mantém-se comprometida com a espetacularização da barbárie, cumprindo, como afirma o professor Luís Antonio Baptista, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal Fluminense, o papel de “amoladora da faca” que faz recrudescer a violência contra a condição humana, amplificar as subjetividades violentas e nos afastar, a cada dia, dos valores democráticos.
Essa amplificação das práticas punitivas supera os muros do cárcere, a exemplo do recente e brutal assassinato do ambulante Luiz Carlos Ruas, em São Paulo.
Por isso, mais uma vez, afirmamos o compromisso da Psicologia com o respeito e a promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, e a urgência do rompimento com o processo progressivo de encarceramento e com os ciclos individuais e coletivos de prisão – soltura – reaprisionamento. Seguiremos comprometidos com a construção de referências para a atuação da profissão nas diferentes políticas públicas, inclusive no sistema prisional, como na publicação “Diretrizes para a atuação e formação dos psicólogos no sistema prisional”, e exigindo do Estado brasileiro sua responsabilização diante dessa tragédia anunciada.