Uma Audiência Pública realizada na Sala João Neves da Fontoura (Plenarinho), na Assembleia Legislativa (AL) na quarta-feira, 10/05, discutiu a importância do tratamento penal e problematizou o Projeto de Lei Complementar nº 245/2016. A iniciativa da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da AL foi proposta pela deputada Miriam Marroni, pelo Conselho Regional de Psicologia do RS (CRPRS) e pela Associação dos Técnicos Superiores Penitenciários (Apropens).
Contrária ao PLC 245/2016, a deputada Miriam Marroni questionou: “Como um psicólogo, um enfermeiro ou um assistente social, por exemplo, que trabalham pela saúde e pela ressocialização se tornam guardas prisionais?”. Para ela, a proposta extingue não apenas cargos, mas políticas públicas que asseguram a dignidade, o que inviabilizaria a superação de um dos grandes desafios do Brasil: desenvolver uma política de ressocialização.
Representando o Sistema Conselhos de Psicologia, a conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP) Maria Márcia Badaró Bandeira considera o PLC um grande equívoco por fragilizar e precarizar a atuação dos técnicos e por desrespeitar a Lei de Execuções Penais (LEP). “A proposta desconsidera a Saúde no Sistema Prisional. Segurança não se faz apenas com trancas e cadeados, mas com condições dignas de tratamento. Precisamos refletir sobre a lógica do encarceramento, repensar a cultura punitivista”, afirmou. Márcia relatou sua experiência ao visitar recentemente o Complexo Penitenciário Anísio Jobim no Amazonas e a Penitenciária Estadual de Alcaçuz no Rio Grande do Norte, locais que vivenciaram situações graves de violação de direitos humanos no início deste ano. “Constatamos total carência de atendimento técnico voltado à saúde das pessoas que vivem privadas de liberdade nesses locais”.
Para a presidente da Apropens, Luciane Engel, a proposta do PLC restringe a prática dos servidores e fragiliza o tratamento penal. Luciane apresentou as atribuições do cargo de Técnico Superior Penitenciário, conforme divulgado em Nota Pública da Apropens. “São atribuições essenciais para que o nosso trabalho possa colaborar de forma mais efetiva para a segurança pública. Ainda há a primazia de ações operacionais de segurança em detrimento do tratamento penal, o que reduz as possibilidades de avanço em questões complexas que ampliariam as chances de alcançar a missão institucional da Susepe: a ressocialização”, declarou Luciane. Para ela, os Técnicos Superiores Penitenciários têm muito a colaborar através da análise e da pesquisa. “Podemos colaborar com estudos, com metodologias para além da instituição penal e desenvolver ações estratégicas e duradoura de reintegração social”. Para a Apropens, o PLC 245/2016 irá restringir as práticas dos servidores ao transformar em guarda prisional ou agente prisional, perdendo o que é sui generis no Sistema Prisional no Rio Grande do Sul, o serviço especializado estratégico.
A audiência também contou com a participação de representantes da Defensoria Pública do Estado, Procuradoria Geral do Estado, Susepe, Conselho Penitenciário do RS, CRESS-RS e OAB-RS.
A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos deverá continuar o debate sobre o tema em audiências públicas a serem realizadas nas principais cidades do Estado. A intenção é abrir espaço para que os técnicos possam mostrar projetos que desenvolvem e a importância do seu trabalho. A deputada Miriam Marroni também irá propor a criação de uma Subcomissão para discutir tratamento penal.
A conselheira do CRPRS Fernanda Facchin Fioravanzo, coordenadora do Núcleo do Sistema Prisional, destacou a importância do fazer da/o psicóloga/o no Sistema Prisional para o Sistema Conselhos de Psicologia e colocou o CRPRS à disposição para contribuir na ampliação deste debate. “O CRP está à disposição para fazer essa interiorização, levar a pauta para o interior, construir uma agenda com Câmaras de Vereadores ou com os Técnicos nas delegacias penitenciárias”.
Encontro sobre Sistema Prisional e Tratamento Penal
Na parte da tarde, técnicos superiores penitenciários discutiram a importância do tratamento penal, em Encontro sobre Sistema Prisional e Tratamento Penal promovido pela Associação dos Técnicos Superiores Penitenciários (Apropens) e o Conselho Regional de Psicologia do RS (CRPRS).
Durante a abertura do encontro, o deputado estadual Jeferson Fernandes falou sobre a importância do debate, problematizando o exame criminológico e os vários fatores atribuídos ao comportamento dos encarcerados. "É absurdo jogar no colo do profissional de psicologia a responsabilidade sobre a progressão ou não do indivíduo que está cumprindo pena", afirmou.
Participando da abertura da atividade, a presidente do CRPRS, Silvana de Oliveira, ressaltou o interesse do CRPRS na problemática do Sistema Prisional. "A preocupação do Conselho não se restringe ao exercício profissional dos psicólogos, essa é uma pauta de direitos humanos com efeitos sobre toda a sociedade”, declarou.
A roda de conversa contou com a participação da conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP) Maria Márcia Badaró Bandeira. A conselheira relatou sobre a intenção do CFP em fazer um novo mapeamento das/os psicólogas/os do sistema prisional com a ajuda dos Conselhos Regionais. "Está na hora de revermos não só a cartilha dos documentos técnicos para atuação do psicólogo no Sistema Prisional, mas também rever outras questões como a prática e as condições de trabalho. Para isso, o mapeamento é essencial", afirmou.
A mesa ainda contou com a participação de Christiane Russomano Freire, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Segurança e Administração da Justiça Penal da PUCRS, que evidenciou a força da categoria no Rio Grande do Sul, especialmente por existir um plano de carreira, contrapondo a fragilização organizacional que ocorre na maior parte do território nacional. "A privatização das penitenciárias começa com os servidores. As terceirizações começam no coração do Sistema, na contratação temporária e na desvalorização da carreira do servidor penitenciário", enfatizou. Christiane anunciou o lançamento da Frente Estadual Por Uma Nova Política Prisional, que acontecerá no dia 25/05 também na Assembleia Legislativa. “A ideia da Frente é formar grupos de trabalho para aprofundarmos as discussões. Podemos organizar um GT para discutir a atuação profissional dos técnicos superiores penitenciários”, sugeriu.
As convidadas abriram o debate aos técnicos superiores penitenciários presentes no Plenarinho para compartilharem suas experiências e exporem suas preocupações. Os presentes abordaram temas como a importância da autonomia dos profissionais dentro do Sistema Prisional, a dificuldade de alguns profissionais realizarem o acompanhamento terapêutico, a saúde mental dos trabalhadores e a influência da Igreja dentro das prisões.
A importância de articulações fora dos espaços penitenciários foi destacada pelos participantes do encontro. "Não dá para trabalhar nesses espaços sem nos articularmos fora deles. É preciso criar estratégias para auxiliar no trabalho", disse Márcia Badaró.