Na noite de sexta-feira, 16/08, no Teatro do Prédio 40 da PUCRS, o CRPRRS comemorou seus 45 anos de história em evento marcado por momentos de emoção e reflexão. “Festejar o aniversario do CRP é festejar a própria profissão porque a existência do conselho constitui historicamente parte do que a Psicologia pode se tornar para a sociedade. O reconhecimento, o valor social, a credibilidade, o imaginário sobre nosso trabalho passam pela importância de sermos uma profissão regulamentada, orientada, fiscalizada e referenciada pelo Conselho”, destacou a presidente do CRPRS, Silvana de Oliveira, que sem sua fala fez um resgate de todas as 15 gestões do Conselho. Para Silvana, o Conselho vive o desafio e o compromisso de atender a multiplicidade da profissão e de se aperfeiçoar como espaço de gestão pública. “Hoje, aqui, mais uma vez, marcamos o tempo com esse encontro. Fincamos a estaca de cronus, a data, o registro de que existimos. Um encontro singular, que desejamos que afete, desperte e deixe um sopro, uma semente, um pé de vento, que faça abrir a janela de outros tempos e sentidos. É isso que também desejamos que nossa profissão faça por onde passa. Vida longa à Psicologia!”.
A noite de comemoração dos 45 anos do CRPRS teve como atração principal a conferência do psicanalista italiano radicado no Brasil Contardo Calligaris. Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de Provence, Calligaris é atualmente colunista do jornal Folha de São Paulo e responsável pela criação e roteiro da série de televisão Psi, exibida no canal HBO. Em sua fala, lembrou que Porto Alegre foi sua porta de entrada no Brasil, já que viveu na cidade de 1989 a 1994. Convidando as/os psicólogas/os a refletir sobre o que significa ser terapeuta hoje, Calligaris falou sobre o passado e o futuro da profissão. “A necessidade de falar de si para o outro é algo muito antigo. Pode-se dizer que a profissão de psicoterapeuta é uma das mais antigas, tão antiga quanto à prostituição. E não deve acabar tão cedo, a não ser que o ser humano mude de maneira imprevisível”.
Para o psicanalista, a modernidade pode ser representada por uma brecha que se abre no fim do século 18 e que, de alguma forma, continua aberta até hoje. Nesse momento há uma ruptura, em que a religião perde o controle sobre a vida concreta das pessoas e o campo das normas constituídas é minimizado, o Direito foi transformado. “A religião oferece à medicina o poder de controlar a vida das pessoas pelo caminho do higienismo. Aquilo que era proibido por ser pecado, passa a ser proibido por não ser muito saudável. Há uma transformação do pecado em patologia”. Surge, então, o terapeuta da brecha. “O terapeuta da brecha não tem valores em nome dos quais orienta sua intervenção, não há repertório de valores externos que não sejam da experiência da própria vida do paciente. A intervenção não deve partir da sabedoria externa”. Seguindo esse raciocínio, quem aponta o patológico é a queixa do paciente, o que é certo ou errado só se define a partir da fala do paciente. Cabe, portanto, ao psicoterapeuta achar valores para recorrer, para intervir no trabalho com seu paciente.
Considerando os tempos atuais, Calligaris reflete sobre a possibilidade de a brecha da modernindade estar se fechando. Com isso, há o retorno de um missionarismo religioso boçal, feito de uma crise da religiosidade. “A boçalidade, para mim, representa aquele que na incapacidade de se controlar, quer controlar os outros. É uma expressão de um ateísmo aterrorizante, em que a dificuldade de praticar e crer é tanta, que eles tornam-se perseguidores dos que não adotam seu modelo de gozo”.
Logo após sua fala, a plateia pode participar fazendo perguntas por escrito sobre temas como atendimento online, diferentes linhas de psicoterapia, religiosidade, desafios da prática profissional em diferentes contextos, conflitos da modernidade, educação.